Muito provavelmente, você já tenha se deparado com o apresentador de um telejornal ou de rádio descrevendo uma notícia da seguinte forma: “Em uma rede social, o presidente afirmou que…”. Vá até a rede social e terá ali diversas contas reproduzindo a notícia da TV que, lembre-se, foi estruturada a partir da publicação original da liderança política para ganhar vida.
Embora hoje possa parecer trivial, houve um tempo em que essas dinâmicas ocorriam exclusivamente em uma única direção. A TV, ou melhor a mídia tradicional, replicava declarações de lideranças feitas em eventos públicos ou em entrevistas exclusivas. Parecia que o campo político pouco influenciava a TV. Na verdade, havia o que a pesquisa em comunicação política argumenta há décadas como a “midiatização da política”.
Em resumo, a centralidade dos meios de comunicação, a partir dos seus diversos formatos e linguagens, estimulava o campo político a se adaptar à lógica da mídia (formatos, agendas, valores e rotinas) para potencializar as chances de ser visto e notado pelos veículos. Nessa perspectiva, o político, sabendo que a imprensa tem uma rotina de produção diária de telejornal, direciona agendas, falas e enquadramentos para aquilo que estaria mais próximo dos valores-notícia da imprensa.
Essa dinâmica baseada nas rotinas, valores e modos de funcionamento da imprensa produz consequências sobre como vemos, percebemos e interagimos com a política, sobretudo porque nem todas as lideranças dominam a linguagem da mídia ou atuam estrategicamente para alcançar esse espaço. Havia também os gates do jornalismo que, para ficar em um exemplo do Brasil, Bolsonaro sempre teve dificuldade de ultrapassar em quase 30 anos de vida pública. Pois bem, as ideias da “midiatização da política” foram propostas em um tempo em que não havia mídia digital, nem tampouco redes sociais. O “novo” ecossistema da comunicação trouxe novas questões para este debate.
Na semana passada, você provavelmente viu a imprensa retratar a nova internação do ex-presidente Jair Bolsonaro, para tratar de dores abdominais. Diversos jornais reproduziram nas suas matérias a foto de Bolsonaro internado em um leito de um hospital em Natal, no Rio Grande do Norte. A foto foi publicada pela conta de Bolsonaro no X (antigo Twitter) na noite dia 11 de abril, com um texto em que ele contava um pouco sobre o seu estado de saúde.

Ainda na noite do dia 11/04 e, principalmente, na manhã do dia 12/04, todos os grandes veículos da mídia tradicional – chamo de tradicional como rádio, TV e jornal impresso – reproduziram a foto de Bolsonaro nos seus sites e contas no X. Além disso, influenciadores, demais lideranças políticas e diversas contas de cidadãos comuns na rede de Elon Musk também reproduziram o post do ex-presidente.
A versão imprensa da FolhaSP, bem como de vários veículos, reproduziram a imagem, sem qualquer perspectiva crítica. A informação (imagem) foi tratada apenas como um elemento que contribuía para a descrição do evento. Embora conteúdos como estes sejam de fato demonstrações vívidas de um acontecimento, dado que a imprensa muito raramente abre mão, eles operam também em uma segunda camada, produzindo efeitos na agenda e no enquadramento da notícia sobre Bolsonaro.

Ao contrário de outros presidentes, Bolsonaro tem recorrido sistematicamente a fotos das suas internações. Quase sempre são imagens com forte componente dramático, que o coloca em situação de fragilidade. Isso aconteceu, por exemplo, quando foi internado após a facada que recebeu durante a campanha de 2018. Era uma imagem forte. Bolsonaro aparecia na mesa de cirurgia, desacordado. Foi o suficiente para ganhar o ambiente digital e a reprodução pelos veículos tradicionais. Bolsonaro e sua equipe sabiam do valor-notícia daquele acontecimento, e isso continua presente na escolha de fotografar e depois disseminar o conteúdo nas suas redes.






Como podemos examinar essa “nova” dinâmica da comunicação política no contexto do digital? Publicado em 2013, “The hybrid media system”, do professor da Universidade de Loughborough, do Reino Unido, Andrew Chadwick, traz argumentos interessantes sobre esse tema. Quando foi apresentado, Hybrid Media ainda não lidava com a complexidade e os dinamismos que a comunicação política ganharia anos depois, mas apontou, ao meu ver, na direção correta.









Segundo Chadwick, o sistema de mídia híbrida pode ser definido como um sistema de comunicação política moldado pelas interações entre lógicas de mídias tradicionais e mídias digitais. Essas lógicas abrangem tecnologias, gêneros, normas, comportamentos e formas organizacionais nos campos interconectados de mídia e política.
Para além da hibridização dos meios, o estudo chama atenção para o que chamou de “novo ciclo da notícia”. Políticos e suas equipes de comunicação reconhecem a importância do tempo da notícia no digital e buscam usar ferramentas online para enquadrar histórias antes que elas sejam totalmente desenvolvidas pela mídia tradicional. Em resumo, a comunicação política com ênfase no digital considera que o campo político se adapta aos ritmos e linguagens do ambiente online, buscando inserir suas narrativas no ciclo de informação o mais cedo possível para influenciar a cobertura subsequente. Reconhece isso em algum lugar?
Como sabemos, essa dinâmica é fortemente favorecida pelas tecnologias que dão aos políticos canais diretos de comunicação com o público, como Facebook, Twitter, YouTube. Essas plataformas estão menos sujeitos às restrições da mídia profissional, e isso permite que os políticos possam moldar suas mensagens e contornar potencialmente a interpretação do jornalismo da mídia tradicional.
Embora ainda exerçam um papel importante, caso contrário o campo político não buscaria a sua atenção, a mídia tradicional tem ajustado também as suas rotinas às dinâmicas do digital. A notícia, muitas vezes, é aquilo que já está em circulação nas redes, e é ali que hoje muitos políticos utilizam de forma estratégica para ocupar o digital e o meios tradicionais. A velocidade com quem se veem “obrigados”, por questão também de mercado, a reproduzir conteúdos do digital, sobretudo aquilo que lideranças políticas estão postando, tem limitado o papel da imprensa tradicional de contextualizar esses conteúdos, com elementos que ajudem os leitores a receberem não apenas informação, mas a examinarem esses acontecimentos também a partir de uma perspectiva crítica.