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Expansão da internet móvel está associada à queda da aprovação de governos

Desde o início da revolução digital, há mais ou menos duas décadas, pesquisadores têm buscado investigar como a comunicação digital impacta o comportamento político e eleitoral e, por consequência, a qualidade das democracias. Na primeira onda de estudos, havia uma percepção que o maior acesso à internet ampliaria a participação, promovendo mais debates e um processo decisório mais informado. A representação política, imaginava-se, ganharia com esse novo modelo.

A segunda onda, contudo, apontou que havia um otimismo exagerado naquela hipótese. De fato, houve e há mais participação política, mas isso não necessariamente impactou positivamente as democracias. A ascensão dos discursos de ódio, a violência política, o apoio ou mesmo a eleição de lideranças populistas com discursos antissistema mostraram que o fenômeno era mais complexo do que se imaginava. Não que a tecnologia em si tenha criado esses efeitos, mas a maneira pela qual a usamos e como elas são construídas potencializou os impactos.

Nessa perspectiva, a relação entre a comunicação digital, em especial, a expansão do uso dos smartphones, e a avaliação dos governos é outro ponto que tem chamado atenção. Em um post meses atrás, apresentei um estudo que discutia as formas de comunicação do ambiente das redes sociais e o que chamei das “redes de indignação”. As interações entre os participantes de uma rede tendiam a gerar muito mais sentimento de indignação do que apoio e aprovação.  Essa característica sugeria que o clima político das redes é mais favorável ao campo da oposição, a quem cabe promover discursos críticos aos governos. Em outras palavras, governos tendem a perder a disputa dentro do digital.

No Brasil, e em outras nações, presidentes e primeiros-ministros tentam entender as causas da forte desaprovação que enfrentam em seus países ou mesmo o humor pouco receptivo das pessoas aos discursos e propostas dessas lideranças. Problemas reais na economia real ou dificuldades na comunicação digital? Como a infraestrutura tecnológica poderia explicar o declínio da aprovação de vários governos pelo mundo? Encontrei outra pesquisa com achados bem interessantes. Veja.

Produzidos por pesquisadores da Science Po (Paris), Princeton University (EUA) e Paris School of Economics, o estudo “3G internet and confidence in government” propõe que a expansão das redes de internet móvel está associada a uma redução na aprovação média dos governos em diversos países. O estudo analisou dados de mais de 840 mil indivíduos em 116 nações entre 2008 e 2017. A pesquisa, que utilizou informações do Gallup World Poll e dados sobre a expansão global do 3G, indica ainda que a redução da aprovação é mais forte em contextos onde a internet não é censurada e onde a mídia tradicional é controlada pelo governo. Segundo o estudo, a expansão da cobertura 3G está associada a uma diminuição de seis pontos percentuais na confiança no governo na amostra completa e de nove pontos percentuais entre os residentes rurais.

Produzido por Sergei Guriev, Nikita Melnikov e Ekaterina Zhuravskaya, o estudo mostra também que a internet 3G atua como uma ferramenta para expor a corrupção governamental. Revelações como o escândalo do Panamá Papers e outros casos de corrupção tiveram um impacto maior na percepção de corrupção em regiões com cobertura 3G.

“O público que tem acesso à Internet móvel de banda larga torna-se mais consciente da corrupção governamental e menos confiante na situação do país. As magnitudes são substanciais: a expansão da cobertura 3G em uma região subnacional média reduz a confiança dos residentes desta região no seu governo nacional em seis pontos percentuais e aumenta a percepção de que o governo é corrupto em quatro pontos percentuais”.

O estudo também investigou as implicações eleitorais dessa queda na aprovação governamental. Na Europa, a expansão da internet móvel levou a uma diminuição nos votos de partidos que estavam no poder, e a um aumento no apoio à oposição populista antisistema. Nesse contexto, a oposição não populista não apresentou alterações significativas em seu apoio político. Essa mudança sugere que a internet móvel pode ter contribuído para uma onda de descontentamento com os governos tradicionais, beneficiando alternativas populistas.

Em suma, o estudo Guriev, Melnikov e Zhuravskaya fornece evidências de que a expansão da internet móvel 3G tem implicações políticas significativas, com a queda na confiança nos governos, especialmente em ambientes informacionais menos restritivos, contribuindo para o cenário político mais favorável à oposição populista. Nesse ambiente de comunicação ubíqua e com uma dinâmica muito mais veloz que os meios tradicionais, a extrema direita tem conquistado apoio pelo mundo. O acesso à internet móvel, por outro lado, amplia o potencial de desgaste de governos implicados em casos de corrupção. O paradoxo existente é que saber de casos de corrupção, dado que pode ser compreendido como efeito positivo da transparência, produz, por outro lado, impacto sobre a descrença da população.

Fábio Vasconcellos

Doutor em Ciência Política pelo IESP (2013) e mestre em Comunicação Social pela UERJ (2008). Professor associado da Faculdade de Comunicação UERJ. Temas de interesse: Comportamento Eleitoral; Comunicação Política; Eleições; Opinião Pública; Analise de Dados.