Há coerência ideológica nas coligações partidárias?

No último post, procurei demonstrar como as coligações partidárias dos candidatos a prefeito deste ano apresentam distribuições próprias. O grafo das coligações indicou uma infinidade de vínculos entre diferentes legendas, que podem se coligar em um município e serem adversárias em uma cidade vizinha. No agregado, contudo, as distâncias ou proximidades entre as agremiações espelham de certa forma a posição das legendas no Legislativo Nacional, em especial, no caso do PT, PL e o grupo que forma o chamado Centrão, como PL, MDB, PSD, PP e Republicanos. Ou seja, embora as dinâmicas locais produzam associações e vínculos próprios, no plano nacional, as legendas apresentam um comportamento razoavelmente claro.

Agora, vamos verificar mais diretamente, e com outro recurso gráfico, a direção dos vínculos entre os partidos que formam as coligações. A ideia foi examinar se os candidatos a prefeito estão coligados com legendas do seu campo ideológico ou se podemos falar de uma falta de padrão na composição das coligações. Também nesta análise, que é de caráter exploratório, considerei as 12,4 mil coligações dos mais de 15 mil candidatos que concorrem com o apoio de ao menos um partido, depois identifiquei a frequência das coligações segundo a posição ideológica das legendas.

Para isso, cada partido do candidato teve uma relação única com os membros da coligação. Por exemplo, um candidato pelo PSDB coligado com PSD e União Brasil gerou dois vínculos: PSDB-PSD e PSDB-União. Esse tratamento dos dados foi realizado para todas as coligações. Na sequência, os partidos foram classificados segundo a posição ideológica, tendo como orientação a proposta do estudo “Uma nova nova classificação ideológica dos partidos brasileiros”, de Bolognesi, Ribeiro e Codato, publicado em 2023.

Será que há coerência ideológicas nas coligações? A resposta é sim. No geral, os candidatos buscaram mais coligações com partidos do seu campo ideológico ou de um campo ideológico próximo. Isso pode ser verificado no gráfico abaixo. Do lado esquerdo, temos o conjunto de partidos dos candidatos agrupados por campo ideológico. Do lado direito, os partidos que fazem parte da coligação, segundo o campo ideológico. Os fluxos sugerem que as legendas tendem a buscar partidos do mesmo campo ideológico ou de um campo ideológico vizinho. O único grupo que apresentou baixa coerência ideológico foi o campo da centro-esquerda. Apresento este dado na última seção deste post.

Quando analisamos os fluxos das coligações do campo da esquerda, verificamos que dos mais de 4,8 mil vínculos, boa parte foi com partidos da centro-esquerda (2 mil), seguidos de 1,4 mil com o campo da esquerda. Juntos, esses dois grupos somam 3,4 mil vínculos, ou seja, 71,8% das coligações dos partidos de esquerda ocorreram com alguma legenda da esquerda e centro-esquerda.

Também nesse grupo, é possível afirmar que há forte coerência ideológica. Das mais de 14,9 mil vínculos dos candidatos de partidos da centro-direita, 5,1 mil foram com partidos da direita; outros 4,6 mil com a centro-direita e 1 mil com legendas da extrema-direita. No total, esses três grupos alcançaram 72% das coligações formadas pelos partidos da centro-direita.

No campo da direita, os candidatos também formaram coligações mais alinhadas com esse grupo ideológico. Entre os 13 mil vínculos identificados, 5,1 mil foram com a direita, seguidos 4,2 mil com a centro-direita e 1 mil com a extrema-direita, representando, no total, 79% do total dos vínculos das coligações dos candidatos da direita.

Com menos candidatos a prefeito concorrendo em 2024, esse campo ideológico registra também coerência na formação das suas coligações. Entre as mais de 3,2 mil ligações com as legendas, 1,6 mil ocorreram com partidos da direita, e 1,2 mil com a centro-direita. Esses dois grupos representam 88% dos vínculos. A proporção é a mais alta dos grupos analisados.

Na análise, os partidos de centro-esquerda (PDT, PSB,PV e REDE) são os que apresentam a menor proporção de vínculos com partidos coligados do mesmo campo ideológico. Os candidatos dessas legendas produziram mais de 4 mil associações com outras legendas coligadas, das quais 867 com partidos de esquerda e 643 com agremiações da centro-esquerda, totalizando apenas 37%. Os candidatos da centro-esquerda buscaram coligações ainda com partidos de direita (1,1 mil) e centro-direita (1 mil). Esse comportamento demonstra que os candidatos da centro-esquerda foram aqueles mais propensos a formar coligações de maior variedade ideológica. Por hipótese, a diversidade de vínculos das coligações desse grupo de partidos talvez espelhe uma estratégia eleitoral adotada por essas legendas, com foco no maior número de candidatos e com o apoio de diferentes partidos, independentemente do campo ideológico. Esse comportamento, ou seja, de maior abertura à coligação com legendas de outros campos ideológicos, tende a ser mais fácil para partidos mais próximos ao centro. 

Autor da notícia:

Fábio Vasconcellos
Bolsista de Pós-Doutorado