Desde o início de 2023, o Brasil tem assistido a uma queda permanente na taxa de desemprego, mas essa tendência não tem se refletido em maiores percentuais de aprovação do Governo Lula 3. Nesta terça-feira (02/03), uma nova rodada de pesquisa da Quaest confirmou uma tendência registrada no início de janeiro deste ano. O Governo voltou a apresentar uma taxa forte de avaliação negativa, 41% contra 27% de avaliação positiva.
Cientistas políticos, economistas e analistas têm procurado compreender quais seriam as razões da baixa popularidade. Inflação dos alimentos ainda alta, crise na área de comunicação, cansaço do eleitorado com a figura do presidente Lula ou até mesmo uma tendência global de maior insatisfação dos eleitores com os chefes dos executivos, principalmente aqueles com mais tempo na vida pública, como discutir em um post anterior.
Uma análise feita pelo professor da Escola de Administração de Empresas de São Paulo (FGV/EAESP), Nelson Marconi, trouxe uma nova hipótese para o comportamento das curvas de aprovação do Governo, desta vez com foco na qualidade das vagas de trabalho e na remuneração média dessas vagas. O estudo revelou que o Brasil apresenta uma mercado de trabalho aquecido, porém precarizado, com perda no valor médio dos salários e aumento de vagas com baixa remuneração. Segundo o professor, esses dados podem explicar, em parte, o descolamento das taxas de desemprego no país e os percentuais de aprovação do Governo.

“Talvez esse fato esteja contribuindo para o provável descolamento entre este cenário de expansão de vagas e a diminuição na popularidade do governo, em função da menor qualidade das vagas
geradas e redução da remuneração praticada em algumas atividades que requerem maiores habilidades”
Para fazer a análise, Marconi comparou os dados de 2012 e 2024. O mercado de trabalho em 2024 apresentou um cenário tão aquecido quanto o de 2012, com taxas de desemprego consideravelmente baixas (6,9% em 2024 e 7,4% em 2012, em média). No entanto, a análise comparativa revelou que o crescimento das ocupações no período atual ocorreu com características distintas, apontando para uma maior polarização e precarização em termos salariais. Em resumo, houve uma concentração do crescimento em empregos de menor qualidade, considerando o salário relativo praticado, e a diminuição da remuneração relativa em algumas ocupações de maior qualificação no setor privado.
“O mercado de trabalho encontra-se tão aquecido quanto em 2012, mas com características mais precárias. Os empregos criados são de menor qualidade, considerando como critério de análise o salário relativo praticado, e mesmo a remuneração para as ocupações que demandam trabalhadores mais qualificados diminuíram em termos relativos”.
No setor privado, o estudo identificou uma significativa concentração do aumento do número de pessoas ocupadas em combinações de setores e ocupações que praticam salários relativos baixos (65% da variação). Observou-se também uma redução considerável nos salários relativos mais altos praticados nesse setor ao longo do período analisado. Em contraste, o mercado de trabalho do setor público apresenta um quadro diferente. A variação nas ocupações concentrou-se em combinações que pagam os maiores salários relativos (59%), e não há uma tendência clara de precarização salarial nas ocupações que demandam maior qualificação.
A análise detalhada por setores e ocupações no setor privado indicou os seguintes pontos:
- Aumentos significativos no número de ocupados em áreas como vendedores do comércio, condutores de veículos, serviços pessoais e cuidados pessoais, que geralmente apresentam salários relativos mais baixos.
- Crescimento também em profissionais de nível superior nos setores de saúde e técnico-científicos, que praticam salários relativos mais altos, embora em alguns casos tenha havido redução no salário relativo entre 2012 e 2024 (por exemplo, profissionais de saúde).
- Reduções notáveis no número de ocupados em algumas áreas, como trabalhadores qualificados na agropecuária e operários de máquinas na indústria de baixa e média tecnologia.
No setor público, as variações mais relevantes incluem:
- Aumento no número de profissionais de nível superior na educação e na saúde, apesar de, em alguns casos, ter ocorrido uma leve redução no salário relativo.
- Redução no número de profissionais de nível superior e diretores/gerentes na administração pública, mesmo sendo áreas com salários relativos elevados.
Na análise, Marconi sugere que a concentração do crescimento em atividades de salários relativos inferiores no setor privado pode estar associada à reduzida participação de setores mais dinâmicos na estrutura produtiva do país. Já a diminuição do salário relativo nas maiores remunerações pode ter relação com a expansão da oferta de trabalhadores com nível superior, a flexibilização das relações de trabalho e a “pejotização”, embora essas sejam hipóteses para análises futuras. A perda de dinamismo do setor produtivo, evidenciada pelo baixo salário relativo setorial na indústria de média e alta tecnologia, e a falta de investimentos em serviços tecnologicamente sofisticados também contribuem para o cenário de precarização.
