Para entender o paradoxo de eleitores brasileiros que apoiam a democracia mas elegem candidatos autoritários, o artigo de Borba et al. analisa as diferentes “visões” de democracia (liberal, social, participativa, iliberal) na população, com dados do World Values Survey (2006-2018). A pesquisa revela que, ao contrário do esperado, essas visões permaneceram notavelmente estáveis no período, com a concepção liberal de democracia sendo a predominante entre os brasileiros, acima da visão social. Os resultados também mostram que posições ideológicas se associam de formas complexas a cada visão, desafiando algumas teorias sobre extremismo. A principal contribuição é mostrar que as concepções sobre o que a democracia deve ser são mais estáveis do que o apoio flutuante ao regime, oferecendo uma nova camada para a compreensão da legitimidade democrática no Brasil.
O Desafio Investigado: O artigo aborda o paradoxo de eleitores brasileiros apoiarem a democracia e, ao mesmo tempo, elegerem candidatos com discursos autoritários, como ocorreu em 2018. O desafio central é entender esse fenômeno não como uma rejeição à democracia, mas como resultado das múltiplas “visões” que os cidadãos têm sobre o que ela significa, algumas das quais podem ser compatíveis com discursos populistas e autoritários.
A Proposta Central: A pesquisa mapeia as concepções dos brasileiros sobre a democracia, diferenciando o compromisso com visões de democracia liberal, social, direta (participativa) ou a aceitação de alternativas autoritárias (iliberal). Utilizando dados do World Values Survey de 2006, 2014 e 2018, o estudo analisa a evolução dessas visões ao longo do tempo e seus fatores determinantes, como variáveis sociodemográficas e, principalmente, ideológicas.
vidências e Argumentos: Os resultados mostram uma notável estabilidade nas visões de democracia dos brasileiros entre 2006 e 2018, apesar da conturbada conjuntura política e econômica do período. A visão liberal de democracia é a predominante em todo o período, com as médias mais altas, seguida pela visão social. De forma contraintuitiva, os modelos estatísticos indicaram que extremistas (de direita e esquerda) são mais liberais que os moderados, um resultado que os autores sugerem que pode ser explicado por vieses de medição da escala ideológica, que tende a capturar indivíduos mais sofisticados politicamente. A pesquisa também confirmou parcialmente que a esquerda se associa mais às visões social e participativa da democracia.
Implicações e Contribuições: A principal contribuição do estudo é mostrar que as concepções normativas dos cidadãos sobre a democracia são mais estáveis do que outras medidas de apoio político que flutuam mais com a conjuntura. O fato de a visão liberal predominar sobre a social, mesmo em um país tão desigual quanto o Brasil, é um achado surpreendente que merece mais estudos. Ao aplicar o modelo de “visões da democracia” e conectá-lo a debates sobre ideologia, o artigo oferece uma análise mais nuançada para compreender a legitimidade democrática no Brasil.
Saiba mais: Os autores disponibilizam os bancos de dados e os códigos necessários para replicar os resultados em um repositório do GitHub, acessível em https://github.com/ednaldorip/democracyviews.
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Autores:
Julian Borba é doutor em Ciência Política pela UFRGS. Professor do Departamento de Sociologia e Ciência Política da UFSC. Interessado nos temas opinião pública e comportamento político.
Ednaldo Ribeiro é Doutor em Sociologia pela UFPR. Professor de Ciência Política na UEM e na UFPR. Bolsista produtividade do CNPq na área de comportamento político. Interessado nos temas atitudes democráticas e ativismo político.
Yan de Souza Carreirão é Professor Titular aposentado da Universidade Federal de Santa Catarina. Tem experiência na área de Ciência Política, pesquisando principalmente os seguintes temas: política brasileira e catarinense, eleições, partidos e sistemas partidários, representação política, opinião pública e comportamento eleitoral
Gabriela Ribeiro Cardoso é Doutora em Sociologia e Ciência Política (área de concentração: Ciência Política) pela Universidade Federal de Santa Catarina, possui mestrado em Sociologia Política, licenciatura e bacharelado em Ciências Sociais pela mesma instituição. É pesquisadora do Núcleo Interdisciplinar de Políticas Públicas e Opinião Pública – NIPP. Atualmente desenvolve pesquisas sobre vitimização, medo do crime e legitimidade democrática na América Latina.