A aprovação pela Câmara dos Deputados do Projeto de Decreto Legislativo (PDL) que derrubou o aumento de alíquotas do IOF, como desejava o governo, incendiou o debate político no Brasil. Em quase 40 anos, raras vezes esse instrumento foi aprovado para anular decisões do Executivo.
Mas a análise da série histórica mostra que, desde 2015, houve um aumento de 140% no número de PDLs apresentados com essa finalidade. Esse comportamento ilustra o acirramento da disputa política desde a queda de Dilma Rousseff, e que muitos classificavam como efeitos da polarização.
Projetos de Decretos Legislativos são utilizados para “regular matérias de competência exclusiva do Poder Legislativo” sem a sanção do presidente da República. Nesse sentido, os PDLs podem ser usados para várias finalidades, como, por exemplo, renovar a concessão de canais de radiodifusão ou mesmo para validar acordos e tratados e convenções internacionais do país. Mas os PDLs podem ser apresentados também para sustar medidas do Executivo, caso o Legislativo entenda que o Governo tenha exorbitado suas atribuições. Foi o que aconteceu na quinta-feira 25/06, quando a Câmara aprovou o PDL por 383 votos a favor e 98 contra.
Mais de 17 mil PDLs desde 1988
Desde 1988, os deputados e comissões da Câmara apresentaram 17,5 mil PDLs, considerando o uso para diferentes propósitos. A maior quantidade (para todas as finalidades) ocorreu em 2003, com mais de 1,5 mil registros, seguido por 2021, com 1.075 PDLs.
Quando consideramos apenas os PDLs que utilizam termos como “susta” ou “cancela”, combinados com termos como “decreto, medida provisória”, “mp”, “ministério” ou “executivo”, identificamos 1,9 mil casos de tentativas de anular decisões do Executivo.
Inflexão a partir de 2015
Pela série, observa-se que os PDLs utilizados para anular medidas do Executivo eram mínimos até 2015, momento em que inicia uma inflexão significativa. Naquele ano, foram apresentados 57 Projetos de Decreto. Este ano, até o início de julho, já somam 139, uma variação de 143%.
No período, o maior pico de PDLs com intuito de anular decisões do governo ocorreu em 2019 (291), primeiro ano da gestão Bolsonaro. Esse dado, em particular, indica um período de intensificação nas tensões e discordâncias entre o Legislativo e o Executivo.
Ao examinarmos a distribuição e as médias de PDLs por governo, temos o seguinte padrão. Entre os governos de José Sarney a Fernando Henrique Cardoso (ambos os mandatos), a média de apresentação de PDLs foi relativamente modesta, em torno de 13 a 14 por mandato. Os primeiros mandatos de Lula (Lula 1 e Lula 2) viram um ligeiro aumento na média (13 e 17, respectivamente), embora ainda em patamares considerados baixos se comparados aos períodos subsequentes.
A transição para os governos de Dilma Rousseff marcou um ponto de virada. O primeiro mandato de Dilma já indicou um aumento na média de PDLs (25), e o segundo mandato, abreviado, apresentou uma média ainda mais elevada (69). Foi precisamente durante o segundo período de Dilma que os PDLs de sustação começaram a ganhar relevância, refletindo as tensões políticas da época. A gestão de Michel Temer, nesse sentido, manteve a tendência de crescimento, com uma média de 83 PDLs.
O governo de Jair Bolsonaro, contudo, destaca-se significativamente, apresentando a maior média de PDLs por mandato: 225. Esse dado reflete, em parte, um período de grande atrito e polarização entre os poderes, no qual o Legislativo, em especial partidos de esquerda, buscaram ativamente controlar ou reverter decisões presidenciais.
Mesmo com a mudança de governo, o terceiro mandato de Lula, embora com dados ainda parciais, já registra uma média substancial de 134 PDLs, superando consideravelmente seus primeiros mandatos. A média alta mostra que o tensionamento entre o Legislativo e o Executivo se mantem, reproduzindo um comportamento registrado durante o Governo Bolsonaro. Hoje, Lula 3 e Bolsonaro apresentam as maiores médias de PDLs protocolados pelo Legislativo.
Partidos que mais apresentam PDLs
Centenas de PDLs são apresentados com a assinatura de deputados de mais de um partido. Outro grupo, porém, atua de forma mais isolada. Nesse caso, o PT lidera a lista dos 15 partidos que mais apresentaram PDLs sem a participação de outras legendas. Em segundo lugar vem o PL, seguido pelo PDT e PSB.
O “novo normal” da relação Câmara e Executivo
Em síntese, esses dados delineiam uma clara tendência de crescente atuação do Congresso Nacional ao longo das últimas décadas, culminando em picos de produção legislativa nos anos mais recentes. O aumento acentuado dos PDLs que visam sustar medidas do Executivo sinaliza uma mudança profunda no comportamento do Legislativo, que tem utilizado esse instrumento de forma muito mais proativa para exercer controle e fiscalização sobre o Poder Executivo, especialmente a partir de 2015. Esse ano é particularmente importante porque foi a partir de 2015 que o Congresso Nacional passou a apresentar emendas orçamentárias impositivas, ampliando sua independência em relação ao Executivo.
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Fábio Vasconcellos
Doutor em Ciência Política pelo IESP (2013) e mestre em Comunicação Social pela UERJ (2008). Professor associado da Faculdade de Comunicação UERJ. Temas de interesse: Comportamento Eleitoral; Comunicação Política; Eleições; Opinião Pública; Analise de Dados.