Os dados de opinião pública no Estado do Rio de Janeiro revelam que a percepção sobre segurança e criminalidade é profundamente polarizada, mas apresenta nuances que deveriam ser observadas. Os grupos ideológicos – da esquerda Lulista à direita Bolsonarista – divergem drasticamente sobre a origem e a solução para o crime, ao mesmo tempo em que convergem na percepção de falência e incapacidade de ação do Estado para reduzir a criminalidade.
Essas são algumas conclusões da pesquisa do Instituto Quaest, divulgada no início da semana (03/11). Para uma análise detalhada dos dados, reagrupei as respostas “concordo” para quatro pares de questões apresentadas aos entrevistados em 40 cidades do Estado.
A distribuição mostra visões distintas que vão do punitivismo ao ceticismo institucional, e ilustra como a posição ideológica, muitas vezes, orienta a visão das pessoas para as ações de enfrentamento da violência. Apesar disso, direita e esquerda no Rio, curiosamente, apresentam também comportamento congruente em ao menos dois tópicos não menos importantes, e que podem ensejar um debate mais qualificado sobre política de segurança.
O punitivismo extremo e a divisão ideológica
A principal linha de fratura no debate carioca é definida pelo eixo Punitivismo versus Causas Estruturais. Os gráficos mostram que a direita (Bolsonarista e não Bolsonarista) se posiciona firmemente no quadrante de Alto Punitivismo, com mais de 60% de concordância com frases como “Bandido bom é bandido morto” e o apoio à pena de morte. Esta visão coloca a solução do crime no indivíduo e na retribuição, enquadrando-se no perfil de linha-dura tradicional. Para eles, a força é a resposta prioritária.

Em contraste, os grupos de esquerda (Lulistas e esquerda não Lulista) se aglutinam no quadrante que poderíamos classificar como Garantista Social. Rejeitando o punitivismo extremo, estes grupos demonstram convicção de que as causas da violência são socioeconômicas. Este grupo é mais favorável à legalização das drogas como medida para reduzir a criminalidade e são fortemente contrários à pena de morte e à afirmação de que “bandido bom é bandido morto”.
Apesar da divisão ideológica, esquerda e direita, no Estado do Rio, estão mais alinhados com a afirmação de que o “responsável pelo poder das facções mora nos bairros ricos”. No caso da esquerda, a concordância chega a quase 90%; enquanto no campo da direita, com percepção altamente punitivista, a concordância varia de 72% a 78%.

Força versus Ceticismo Institucional
O segundo eixo, que cruza o Apoio a Soluções de Força (Armamento) com a Crítica Institucional (Corrupção Policial), revela que o desejo por segurança não é sinônimo de confiança automática nas autoridades.
O apoio ao aumento da força, como facilitar a compra de armas, é liderado pela direita não Bolsonarista. Esse grupo não apenas quer mais armas, como tende a confiar mais na integridade da polícia quando comparado com a esquerda. Cerca de 46% afirmam concordar que a Polícia Militar do Rio foi cooptada pela milícia. Esse percentual sobe para a faixa dos 79% no campo da esquerda, que também é amplamente contrária à facilitação da venda de armas.
Os grupos de esquerda, nesse sentido, localizam-se no quadrante Garantista Crítico. Rejeitam o armamento e são os mais céticos em relação ao sistema. Eles veem a solução não na ampliação da força, mas na fiscalização e reforma de instituições percebidas como parte do problema.

O consenso raro: a falência política
O eixo de análise que cruza a Falência Política com a Adaptação Econômica do Crime revela um dos dados mais inesperados: um raro ponto de convergência ideológica entre a direita e a esquerda fluminense.
Quase todos os grupos, incluindo a esquerda e a direita não Bolsonarista, concentram-se no quadrante Crítico Completo. Mais de 80% desses grupos concordam que líderes de facções ajudam a eleger políticos. Essa percepção de que o crime organizado transcendeu a rua e penetrou o Estado é largamente compartilhada no Rio de Janeiro. Paralelamente, há também um forte reconhecimento dos dois campos de que o crime se modernizou e lucra com novas economias (“vans, internet”).

Em resumo, esses dados, apresentados aqui de forma exploratória, mostram que a sociedade fluminense está irreconciliável sobre a maneira de punir os criminosos, mas há um consenso transversal: a violência não é apenas um problema de polícia, mas de um sistema político e institucional corrompido.
A despeito dessa percepção, o que vimos na última semana foi um debate concentrado no amplo apoio da população à ação da polícia que resultou na morte de 121 pessoas, no Complexo da Penha e do Alemão, no dia 29 de outubro. A pesquisa da Quaest, no entanto, aponta outro caminho, com ampla adesão da sociedade, independentemente de fatores ideológicos. Está aí uma agenda que deveria ser mais bem observada e enfrentada pelo poder público, sobretudo pelos órgãos de controle.
Siga @redem.inct no Instagram e @redem_inct no X para saber mais sobre os estudos realizados por nossos pesquisadores!
Fábio Vasconcellos
- Doutor em Ciência Política pelo IESP (2013) e mestre em Comunicação Social pela UERJ (2008). Professor associado da Faculdade de Comunicação UERJ. Temas de interesse: Comportamento Eleitoral; Comunicação Política; Eleições; Opinião Pública; Analise de Dados.


