Em um cenário político marcado pela discussão sobre segurança pública — especialmente após a operação mais letal da história do Brasil, ocorrida no Rio de Janeiro em outubro — uma pesquisa inédita do INCT Representação e Legitimidade Democrática (ReDem/UFPR) mostra como esse tema pode ser considerado, hoje, um dos maiores desafios à estabilidade democrática no país.
A reação do Congresso Nacional e do Governo Federal, com propostas como a PEC da Segurança Pública, assim como a aprovação do PL Antifacção, na noite desta terça-feira (18/11), mostram como o tema ocupou a agenda pública nas últimas semanas. A mobilização de deputados, senadores e do Executivo ocorreu após o impacto da ação policial que resultou na morte de 121 pessoas no Rio.
Para além da esfera da segurança pública, a violência urbana toca o cerne da legitimidade institucional, porque impacta a confiança da população nas instituições e estimula a busca por soluções extralegais.
A pesquisa do ReDem foi aplicada entre fevereiro e março deste ano, portanto, muito antes da operação no Rio. Pesquisas da Quest e do Datafolha mostraram, dias após a operação no Rio, que os brasileiros aprovavam a operação policial, sugerindo, a nosso ver, que o risco à legitimidade democrática pode ter se acentuado nesse período.
O que os dados do ReDem mostram. Entre os brasileiros que tiveram familiares vítimas de violência, o percentual de insatisfação com a democracia era de 64,3% (insatisfeito + muito insatisfeito) — cerca de 14 pontos percentuais acima do grupo também insatisfeito mas que não teve um familiar vítima de violência.
Entre os satisfeitos com a democracia, os percentuais médios são menores, mas quem teve familiar vítima da violência apresentou uma taxa de satisfação ainda mais baixo. Essa relação sugere como a violência afeta a percepção dos brasileiros sobre a capacidade da democracia entregar políticas públicas efetivas.

A associação se mante firme ao analisarmos a percepção subjetiva da violência, e não apenas a vitimização. Entre os que se sentiam muito inseguros, a insatisfação com a democracia chegou a 64,3% (muito insatisfeito + satisfeito), caindo para 56% entre os pouco inseguros e, mais significativamente, para 43% no grupo dos que afirmaram estar muito seguros.
O comportamento é o inverso no grupos dos satisfeitos com a democracia. Quanto mais seguro, mais satisfação com a democracia. Esses dados demonstram que a sensação de segurança pode claramente mitigar a desconfiança no regime.

A insatisfação com a democracia está também intrinsecamente ligada à crise de confiança no Sistema de Justiça, o que alimenta o apelo à “justiça com as próprias mãos”.
A pesquisa do ReDem indica que quem não confiava que a Justiça puniria o culpado pelo cometimento de um crime tendeu a registrar maior insatisfação com a democracia, atingindo 63,3% (insatisfeito + muito insatisfeito).
Essa insatisfação cai à medida que aumenta a confiança no Sistema de Justiça. Quem confia na Justiça, por exemplo, apresentou percentual de insatisfação com a democracia menor: 30,6% (insatisfeito + muito insatisfeito)

O descrédito no sistema formal se reflete no preocupante apoio a ações punitivas individuais, com o estudo mostrando que quem está insatisfeito com a democracia tende a aprovar mais a justiça com as próprias mãos.
Quando perguntados se aprovam ou desaprovam que um pai pudesse matar o estuprador da filha, cerca de 47,6% dos entrevistados que desaprovam essa medida se disseram insatisfeitos ou muito insatisfeitos com a democracia. Já no grupo dos que aprovavam a ação, a insatisfação com a democracia chegou a 54%. Inversamente, quanto mais satisfeitos com a democracia, menor o apoio à justiça com as próprias mãos.

De forma semelhante, cerca de 53% das pessoas que aprovavam que a polícia utilizasse tortura para obter informações sobre um grupo criminoso estavam insatisfeitas ou muito insatisfeitas com a democracia do país.
Com ou menos legislação rigorosa, esses dados ilustram uma perigosa relação entre violência urbana e legitimidade da democracia brasileira. Os seguidos eventos de grande repercussão nacional tendem a disseminar mais a percepção de que o Estado vem perdendo a capacidade de entregar segurança e bem-estar.
Esse cenário costuma ser campo fértil para discursos que mobilizam o medo e a sensação de insegurança da população, com riscos não apenas para a legitimidade das instituições, mas para a ascensão de lideranças que defendem ações fora das regras do Estado de Direito, criando um círculo perigoso para a democracia.
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Fábio Vasconcellos
- Doutor em Ciência Política pelo IESP (2013) e mestre em Comunicação Social pela UERJ (2008). Professor associado da Faculdade de Comunicação UERJ. Temas de interesse: Comportamento Eleitoral; Comunicação Política; Eleições; Opinião Pública; Analise de Dados.


