A prisão preventiva do ex-presidente Jair Bolsonaro, na manhã de sábdo (22/11), antecedeu o desfecho de uma história que começou logo após a sua derrota eleitoral em 2022. Bolsonaro foi condenado este ano por tentativa de golpe de Estado e, muito provavelmente, será preso em definitivo esta semana para cumprir a pena de 27 anos de detenção. Com isso, pela primeira vez, um ex-presidente do Brasil é julgado e responsabilizado por atentar contra a democracia do país.
É possível dizer que o ineditismo do caso, em especial, o seu caráter simbólico, tem potencial para produzir um efeito pedagógico ao demonstrar para segmentos políticos e militares os custos de novas tentativas de golpe. Esse tipo de efeito, no entanto, não deve ser confundido como uma retração do bolsonarismo, sobretudo na arena eleitoral no curto e médio prazo.
O bolsonarismo é um fenômeno político orientado por uma forte identificação dos eleitores com a figura de Jair Bolsonaro. Para que essa estrutura funcione, ela depende de uma rede de atores no plano econômico, político e religioso, que lhes dá sustentação e legitimidade; do uso de instrumentos eficientes de comunicação (redes digitais) e de discursos orientados pelo conservadorismo moral, o antipetismo e o punitivismo.
Desde 2018, esse modelo se expandiu, criou raízes, vínculos e se tornou um fenômeno com base social relevante. Mesmo condenado e preso, o ex-capitão é o sujeito por meio do qual o imaginário político de uma camada expressiva de brasileiros encontra sentido e propósito. Nesse sentido, se a prisão do ex-presidente traz de fato uma limitação objetiva à participação no campo eleitoral, a forte identificação e a fidelidade do seu eleitorado o recolocam no jogo.
É possível asim especular algumas consequências da condenação e prisão de Bolsonaro para o cenário 2026. Mesmo declarado inelegível pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) desde 2023, o ex-presidente é quem melhor pontua hoje entre os candidatos do campo da direita. Na rodada da pesquisa Quaest divulgada este mês, Bolsonaro registrou 39% contra 42% de Lula em possível segundo turno. Entre todos os candidatos da direita, o ex-capitão é o mais competitivo na disputa com o atual presidente da República.

Parte dessa resiliência está relacionada a um efeito autocorrelacionado. Por se falar tanto de Bolsonaro, em razão do julgamento e condenação, sobra menos espaço e atenção para as demais lideranças da direita, o que acaba por manter em alta a figura do ex-presidente na agenda.
Mas, embora a pesquisa esteja capturando mais a popularidade e o recall, esses dados devem ser examinados com mais atenção. O elevado percentual registrado por Bolsonaro, em um contexto de amplo noticiário negativo e com perdas significativas no Judiciário (quando, em agosto, o STF decretou a sua prisão domiciliar), demonstra um eleitorado que ainda encontra em Bolsonaro a melhor expressão das suas expectativas políticas.
Potencial de voto
Com a “saída” de cena do ex-capitão, a tendência é que as lideranças do campo da direita, com pretensões de concorrer à Presidência, busquem mais espaço no debate público. O primeiro esforço será o de se tornarem mais conhecidas diante da sombra de Bolsonaro e de seus familiares.
Bolsonaro, sua esposa Michele Bolsonaro e o filho Eduardo registravam os maiores percentuais de conhecimento entre os eleitores do campo da direita. Os possíveis candidatos desse espectro político, como Tarcísio de Freitas, Ratinho Júnior, Romeu Zema e Ronaldo Caiado apresentam percentuais menores. Chama atenção que os números foram sempre mais baixos, mas dentro das margens de erro, entre os eleitores bolsonaristas, e maiores entre os não-bolsonaristas. Identificação política e atenção parecem, nesse caso, caminhar juntas.

Pela hipótese que assumimos aqui, o potencial eleitoral dos candidatos do campo da direita estará condicionado também à maneira pela qual eles vão dialogar ou se relacionar com a base de Bolsonaro. Será decisivo, portanto, como o próprio Bolsonaro sinalizará, via familiares, para onde esses eleitores devem caminhar.
No teste de potencial de voto, que pergunta para os eleitores se eles conhecem um candidato e se votariam nesse candidato, é possível identificar a relevância dessa sinalização. O ex-presidente, Michele e Eduardo Bolsonaro são os que melhor pontuam, em média, entre os eleitores do campo da direita. Ou seja, os eleitores não apenas conhecem mais essas lideranças, como têm mais certeza do voto.

Chama atenção que a família Bolsonaro pontua menos entre a direita não-bolsonarista, espaço melhor ocupado pelos demais candidatos da direita. Há aqui uma barreira. Sem sua principal liderança na disputa, o campo da direita vive hoje um dilema. Talvez a melhor expressão disso seja o caso do governador de São Paulo. Ele é conhecido por 76% da direita bolsonarista, mas somente 44% afirmam que votariam nele, diferença de 32 pontos. Por outro lado, 78% da direita não-bolsonarista afirmam conhecê-lo, e 56% consideram votar em Tarcísio, diferença de 22 pontos.
O gap existente hoje entre o percentual de conhecimento dos eleitores sobre Tarcísio, Ratinho, Zama e Caiado e o percentual de voto dentro dos grupos bolsonaristas e não-bolsonaristas expressa um desafio significativo para essas lideranças. Elas precisam não apenas se tornar mais conhecidas, como convencer uma parcela significativa dos eleitores, sobretudo a base bolsonarista, de que são lideranças apoiadas por Bolsonaro e familiares.
Alinhamento com bolsonarista com foco no 1º turno
Essa será uma costura bastante difícil, porque o bolsonarismo, como dito, é fortemente orientado por uma identificação com o ex-presidente e, no caso, com sua agenda pós-prisão. Para que um candidato do campo da direita consiga amealhar os votos dessa base e, com isso, potencializar sua candidatura, será preciso alinhar-se mais claramente com a agenda da família Bolsonaro. Uma delas, certamente, é o perdão judicial. Vamos lembrar que, antes mesmo de ser preso, Bolsonaro e seu grupo buscaram insistentemente aprovar no Congresso Nacional a anistia para os condenados nos ataques de 8 de janeiro, inclusive para o ex-presidente.
Esse cenário ilustra os parâmetros dessa costura, mas não os seus limites. As lideranças terão de buscar uma sinalização de Bolsonaro e familiares, dado com forte capacidade de mobilização de segmentos expressivos do eleitorado. Contudo, não será preciso uma transferência de 100% dos votos do bolsonarismo. Isso porque o candidato da direita precisa apenas de votos suficientes para garantir a passagem para o segundo turno. Na segunda etapa, se a disputa for com Lula, bolsonaristas e não-bolsonaristas seguirão, por razões ideológicas, com o candidato do campo da direita, seja ele quem for.
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Fábio Vasconcellos
- Doutor em Ciência Política pelo IESP (2013) e mestre em Comunicação Social pela UERJ (2008). Professor associado da Faculdade de Comunicação UERJ. Temas de interesse: Comportamento Eleitoral; Comunicação Política; Eleições; Opinião Pública; Analise de Dados.


