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A relação entre atitudes e percepões políticas no consumo de informação nas redes

Há muitas ambivalências quando analisamos tecnologias digitais para consumo de informação política e suas possíveis consequências no debate público. Embora as plataformas das redes sociais sejam um dos principais meios de distribuição e acesso à informação, boa parte da audiência desconfia do conteúdo que circula nesses canais. Para ela, há não apenas um viés sistemático nesses meios, mas também disseminação de desinformação. O resultado disso é que existe certo ceticismo sobre as plataformas.

A despeito dessa característica, as pessoas consideram que as plataformas também facilitam o contato com familiares, ajudam a encontrar informações, permitem a participação política, a liberdade de expressão, entre outros.

Essas ambivalências sugerem que a relação entre usos de tecnologias digitais e a saúde do debate político pode não ser tão direta ou evidente como quase sempre se imagina. Nessa perspectiva, se a análise dos hábitos de consumo de informação importa para entendermos algumas das consequências, importa também considerar outros aspectos, como os contextos políticos, a confiança nas mídias, a maneira pela qual a audiência percebe instituições da democracia ou mesmo os sentidos que as pessoas dão para os rumos do seu país.

Estas são algumas das hipóteses que podemos inferir do relatório do Reuters Institute “What do people want? Views on platforms and the digital public sphere in eight countries”. O estudo, finalizado em novembro de 2024, foi produzido a partir de surveys aplicados em oito países, inclusive o Brasil.

 

Percepções sobre meios, instituições e atores

O primeiro ponto que chama atenção no estudo é a percepção da audiência sobre diferentes tecnologias, instituições e atores da democracia e seus efeitos no sentido de promover união ou divisão entre as pessoas.

As redes sociais apresentaram saldo negativo (-13 pontos percentuais), isto é, são vistas mais como espaços que mais dividem do que unem as pessoas. No entanto, o saldo é bem menor que o registrado para ativistas (-17), imprensa (-27), jornalistas (-29) e políticos (-55).

A percepção negativa de atores e instituições clássicas da democracia demonstra que a qualidade do debate na esfera pública digital é também produto de fatores não necessariamente associados a essas plataformas, mas, talvez, anteriores. Nas redes, essas percepções, muito provavelmente, são potencializadas. É bastante significativo, para não dizer contraditório que, a despeito de movimentos contra a ciência nos espaços digitais, os cientistas sejam vistos como atores que mais unem do que dividem as pessoas. 

 

 Hábitos de consumo de informação e confiança nos meios

Na maioria dos países, segundo o relatório, sites e aplicativos de notícias online (59%) e TV (57%) ainda são mais utilizados para consumo de informação sobre política. Buscadores online (45%) e as redes sociais (41%) vêm na sequência.

Em média, 55% dos respondentes nos oito países confiam nos buscadores online para consumir informação sobre política, seguido das plataformas de vídeo (37%), aplicativos de mensagens (31%), mídia social (30%) e Inteligência Artificial (27%). No caso das redes, a média geral indica que, embora 41% afirmam que utilizam esse meio para se informar sobre política, a confiança é 30%.  

Pelos dados da Reuters, o caso do Brasil merece ser observado. O país registra um dos maiores percentuais no uso de redes sociais para consumo de informação política (60%), perdendo apenas para a Argentina, com 66%. No Brasil, a confiança nas redes sociais também é alta, chegando a 61%, perdendo para a Argentina, com 64%. Mas isso é apenas uma parte da história.

Apesar do alto uso e confiança nas redes no caso do Brasil, a pesquisa Reuters apresenta outro dado que ilustra a necessidade de evitarmos uma compreensão linear entre uso de redes e qualidade do debate no ambiente digital.

Em todos os países, a maioria das pessoas faz uma mistura de plataformas digitais e veículos de notícias para obter notícias e informações sobre política – apenas 10% ou menos obtêm notícias e informações políticas exclusivamente de plataformas.

No Brasil, 79% dos respondentes afirmaram que buscam informações nas plataformas e nas empresas jornalísticas. Na Argentina, o percentual também é alto: 82%. Em resumo, se o uso das redes e a confiança nas plataformas apresentam percentuais elevados, oito em cada dez entrevistados no Brasil recorrem também às fonte de informação da mídia offline, dado que ilustra o quão difícil é atribuir comportamentos políticos exclusivamente ao uso de redes.

 

Atitudes políticas e consumo de informação política

O relatório da Reuters confirma um dado já conhecido nos estudos de comportamento político/eleitoral. Eleitores mais interessados em política tendem a apresentar um maior engajamento no consumo de informações políticas. Mas o estudo traz uma segunda questão.

As pessoas que consideram que o seu país está indo na direção errada (pessimistas) são as que menos confiam nos meios digitais. Em contraste, aqueles que consideram que o país está na direção certa (otimista) confiam mais. Novamente, uma atitude política específica parece influenciar o comportamento da audiência sobre o consumo e o uso de meios digitais para se informar sobre política.  

A diferença entre otimista e pessimista acontece em todos os meios digitais considerados na pesquisa (buscadores, plataformas de vídeo, app de mensagens, mídia social e IA). No comparativo, a diferença entre os dois grupos (otimista e pessimista) foi entre 18 e 20 pontos percentuais.

Em resumo, os dados do relatório Reuters reforçam a necessidade de um maior aprofundamento nos estudos sobre consumo de informação e efeitos no comportamento político. Ao mesmo tempo em que utilizam plataformas para se informar, as audiências apresentam características e percepções que apontam para ambivalências importantes de serem consideradas e que limitam nossa compreensão de efeitos diretos e unidirecionais sobre a qualidade do debate público no ambiente digital.

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Fábio Vasconcellos

Doutor em Ciência Política pelo IESP (2013) e mestre em Comunicação Social pela UERJ (2008). Professor associado da Faculdade de Comunicação UERJ. Temas de interesse: Comportamento Eleitoral; Comunicação Política; Eleições; Opinião Pública; Analise de Dados.

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