Com poucos dias à frente do novo mandato, o presidente dos EUA, Donald Trump, mudou a agenda ambiental. A saída dos americanos do Acordo de Paris, promessa de campanha do republicano, já é realidade. Em outros países, a sociedade civil e lideranças políticas procuram entender quais os impactos dessa decisão, e como o planeta poderá levar adiante medidas para frear o aquecimento global.
Parte desse desafio passa pelo Brasil. Este ano, o país vai sediar a COP30, e é de lá que deverá sair alguma posição mais clara sobre esse novo cenário. Mas há pressão interna também. Enquanto busca se posicionar no novo contexto, o governo Lula avalia liberar a exploração de petróleo na Margem Equatorial, medida fortemente criticada por ambientalistas, mas apoiada por políticos da base no Congresso. Embora o foco sobre as decisões que impactam o meio ambiente seja quase sempre o peso do Poder Executivo, uma pesquisa iniciada pelo INCT Redem promete jogar luz sobre um outro ator fundamental nessa dinâmica: o Poder Legislativo.

Doutor em ciência política e bolsista do Redem, Mateus de Albuquerque lidera a elaboração do inédito Índice de Carbono da Atuação Parlamentar (CO2-Index), que vai medir o quanto o trabalho dos congressistas é um fator de estímulo ou mitigação da emissão de CO2. O trabalho está na fase inicial, mas, nesta entrevista Albuquerque explica que os primeiros testes do índice mostraram que “o congresso é consideravelmente mais emissor que mitigador, e a direita parlamentar brasileira é mais emissora que a esquerda”. Na avaliação do pesquisador, o novo governo Trump representa “um grande realinhamento global”, e o Brasil não está imune a esse debate, já que “estamos em um governo que apresenta grandes contradições ambientais e também se mostra bastante simpático a demandas contrárias ao meio ambiente”, diz.
Você lidera uma pesquisa que procura observar como o legislativo brasileiro pode interferir no processo de mudança climática local. Você pode explicar um pouco mais sobre a pesquisa?
O CO2-Index é um índice que tem por objetivo estimar o impacto em emissões de gases atmosféricos na atividade legislativa dos nossos deputados. Para isso, consideramos os votos, os discursos e os projetos propostos pelos deputados na 56ª legislatura (2019-2022) e atribuímos a cada uma dessas ações o rótulo de Emissor ou Mitigador. Depois, atribuímos à ação o peso que o setor, ou setores, de emissão a qual a ação está associada tem em emissões atmosféricas no ano da ação. Por exemplo, se um deputado discursou a favor de um projeto de lei que amplia as emissões de agropecuária, essa ação, o discurso, recebe o peso que o setor de agropecuária emitiu em em gases no ano em que o discurso foi feito. Ao final, teremos um ranking dos deputados mais emissores e dos mais mitigadores.
De que maneira, o índice pode contribuir para o debate sobre a mudança climática no Brasil ou ainda para uma qualificação dessa discussão no âmbito do legislativo?
Com esse índice podemos fazer vários testes, mas existem três principais, que sairão logo no começo. O primeiro é o de se o Congresso é majoritariamente emissor ou mitigador. Com isso, poderemos compreender se o papel do legislativo em construir proposições que, convertidas em lei, pioram o atual cenário em que vivemos. O segundo é o de se esse caráter mais emissor está localizado em um espectro ideacional específico. No caso, se direita ou esquerda importam nessa análise. E, por fim, queremos testar qual setor da economia está mais amplamente associado às atividades emissoras dos parlamentares. Isso ajuda também a entender que a questão climática mexe com interesses contraditórios, poderosos, que precisariam ser enfrentados.
Na sua avaliação, e nos primeiros dados coletados, podemos dizer que o legislativo brasileiro é mais ou menos sensível à questão climática?
Fizemos alguns testes usando apenas a variável votações – ou seja, sem discursos e projetos – e que não haviam sido validados por nosso painel com especialistas. Nesses resultados iniciais, encontramos o seguinte quadro: o congresso é consideravelmente mais emissor que mitigador; a direita parlamentar brasileira é mais emissora que a esquerda; os setores agropecuário e minerador, através de suas frentes parlamentares, são centrais para esse quadro. Vamos ver o que o quadro final nos revela.
“Não é surpresa o Trump ter saído do Acordo de Paris, ele está na verdade cumprindo uma promessa de campanha, o que é surpresa é o quanto grandes empresas rapidamente fizeram o movimento de acompanhar Trump e relativizar o papel das metas ESG em seu desenvolvimento corporativo”.

A eleição de Trump joga, de certa forma, uma ducha de água fria no Acordo de Paris, além de limitar fortemente o debate internacional sobre as necessidades de mudanças diante da crise climática. Como você avalia esse cenário e o impacto que isso pode ter nos conteúdos das proposições que tramitam no Congresso?
A sensação geral é que o governo Trump representa um grande realinhamento global, em vários sentidos. Não é surpresa o Trump ter saído do Acordo de Paris, ele está na verdade cumprindo uma promessa de campanha, o que é surpresa é o quanto grandes empresas rapidamente fizeram o movimento de acompanhar Trump e relativizar o papel das metas ESG em seu desenvolvimento corporativo. A BlackRock, grande fundo de investimentos, expressa bem essa temperatura ao retirar aportes de fundos de carbono. Acredito então que a pressão por mais “capitalismo verde”, típica do Acordo de Paris, que demandou ecoinovações de forma mais robusta, deva reduzir. O conflito ambiental deve ficar ainda mais marcado enquanto um conflito de classes. E isso deve afetar profundamente o parlamento brasileiro: os setores antiambientais, talvez, venham a reduzir a sua atividade legislativa no que se refere a propor medidas de mitigação, ou mesmo de greenwashing, guinando ao conflito direto de interesses. Isso é um cenário perigoso, tendo em vista que estamos em um governo que também apresenta grandes contradições ambientais e também se mostra bastante simpático a demandas contrárias ao meio ambiente, como, por exemplo, a extração de petróleo na foz do Amazonas.
Esse contexto de contradições do atual governo na área ambiental tem um componente estratégico que permite, por exemplo, lidar com o baixo apoio no congresso, ou até mesmo nesse cenário internacional menos pró meio ambiente, não?
Acho que existe uma tripla conjuntura. Em primeiro lugar, a dependência do Brasil de exportações de bens primários hipertrofia esses grupos para que tenham forte influência no PIB, e na política. Hoje a Frente Parlamentar Agropecuária representa um macro-partido, que alinha parlamentares em votações chaves independente de suas legendas, dando assim vitórias recorrentes ao setor. Em segundo, essa diminuição, já citada, do interesse de empresas por alternativas verdes, uma tendência que parece se aproximar após a segunda vitória de Trump. Mas há também um terceiro elemento pouco comentado nessa equação: o próprio PT não é exatamente o mais verde dos partidos. Apesar de ter em sua trajetória relevantes lideranças ambientais, como Chico Mendes e a própria ministra Marina Silva, o PT também adota uma forte vocação desenvolvimentista, simpático a grandes projetos de infraestrutura e geração energética, que possuem contradições ambientais congênitas. Não foram os interesses do Centrão ou da bancada ruralista que levaram Dilma a propor Belo Monte, por exemplo. O caso da exploração do petróleo na Margem Equatorial é outro paradigmático, quadros do PT, como Randolfe Rodrigues, defendem abertamente.