As coligações dos candidatos a prefeito nas eleições deste ano demonstram como as dinâmicas da política nacional nem sempre se reproduzem no plano municipal. Uma análise feita pelo INCT ReDem da Universidade Federal do Paraná (UFPR) indica que a rede de associações partidárias é bastante sobreposta, com mais de 39 mil ligações, uma infinidade de vínculos entre diferentes legendas, que podem se coligar em um município e serem adversárias em uma cidade vizinha. Ao todo, 81% (12,5 mil) dos mais de 15 mil candidatos a prefeito em 2024 concorrem com o apoio de outros partidos.
Apesar das sobreposições e variedade da associação entre os partidos, e contrariando a ideia de que o sistema partidário brasileiro é pouco estruturado, há fatores que chamam a atenção. A distribuição dos partidos na rede coloca em lados opostos PT e PL, legendas que vocalizam desde 2022 a disputa nacional entre o presidente Lula e o ex-presidente Jair Bolsonaro. Mais que isso. Legendas que tradicionalmente formam o chamado centrão no Congresso Nacional ocupam o espaço intermediário entre PT e PL. As posições desses dois partidos na rede tendem a ficar ainda mais distantes à medida que caminhamos dos pequenos para os grandes municípios do Brasil, sugerindo, neste último caso, uma orientação político-eleitoral mais alinhada com Brasília. Apesar de proibidas nas disputas proporcionais, as coligações podem ser formadas para as eleições de cargos majoritários.
A análise da rede das coligações leva em conta o grau de associação entre as legendas. Quanto mais vinculadas por meio de coligações, mais elas se aproximam. O tamanho dos círculos de cada partido, por sua vez, é proporcional ao número de candidatos das legendas que concorrem com apoio de coligações. Cada linha no grafo indica a associação entre os partidos, ou seja, quando o candidato a prefeito de uma legenda é apoiado por outra agremiação. Pela imagem abaixo, portanto, é possível verificar a multiplicidade de vínculos entre as legendas, mas também a centralidade de partidos como o PP, União Brasil, PSD e MDB, além das posições opostas ocupadas por PT e PL. Serem legendas intermediárias significa, muitas vezes, que os candidatos a prefeito desses partidos conseguiram incluir também na coligação PT e PL. Mas há apenas 76 casos como esse.
Pelo grafo, temos a formação de três grandes grupos que, embora apresentem alguma proximidade, registram também muita sobreposição. O primeiro grupo (lilás) representa 46% das conexões da rede, seguido do laranja, com 35,7% e o verde com 17,8%. Parte dessa grande sobreposição se deve às diferenças locais, que levam partidos a mudarem a composição das coligações em cada município, limitando assim uma maior clareza no conjunto de partidos que tendem a se associar mais nas 12 mil candidaturas a prefeito analisadas.
Para testar como o tamanho das cidades influencia na composição das coligações, realizamos a mesma análise considerando municípios com até 50 mil eleitores (maior conjunto em todo país); entre 100 mil e 500 mil e acima de 500 mil eleitores.
Redes das coligações em cidades com menos de 50 mil eleitores
O grau de associação entre os partidos muda pouco quando observamos o recorte por municípios com até 50 mil eleitores. MDB tornou-se mais central nesse conjunto de cidades, indicando ser um ator importante com muitas conexões entre todos os demais partidos da rede. A rede lilás representa, nesse recorte, 56% das conexões, seguida pela cor laranja, com 36% e a rede verde, com 8%. Pela distribuição, podemos notar que PT e PL apresentaram posições semelhantes com o primeiro grafo: distantes e em lados opostos. Outro detalhe que merece ser destacado. As federações PT/PCdoB/PV e PSDB/Cidadania tornaram-se mais claras.
Redes das coligações em cidades com mais 500 mil eleitores
Finalmente, a análise considerando apenas municípios com mais de 500 mil eleitores acentua a diferença identificada na imagem anterior. O PT se destaca mais no canto inferior à esquerda, num grupo com PSB, PSOL, PCdoB, REDE, formando uma rede com 37% de conexões, enquanto o PL se destaca do lado oposto, mas sem constituir um agrupamento grande com outros partidos (7%). Ao centro da rede temos partidos que mediam o espaço entre PT e PL, e que registram 55% das conexões na cor laranja. A maior dimensão do círculo para o PT indica um maior número de candidaturas da legenda em cidades acima de 500 mil, comparando com os demais partidos.
Para realizar os testes, aplicamos os mesmos parâmetros no algoritmos que calcula, distribui os partidos e produz a rede das coligações. A rede geral das coligações, considerando todos os municípios, sugere que as legendas têm uma dinâmica própria no plano municipal, com associações segundo a lógica das disputas locais. É isso que demonstra o emaranhado de linhas conectando quase todos os partidos entre si. É importante observar ainda que os maiores partidos no Brasil, com acesso a recursos financeiros e estrutura, tendem a lançar mais candidaturas municipais.
Outro ponto que vale destacar é a posição dos partidos na rede. MDB, União, PSD e PP tendem a ocupar o centro, uma posição intermediária entre legendas posicionadas nos lados opostos da rede, caso do PT e PL, partidos que, no plano nacional, disputam a hegemonia política nas figuras do presidente Lula e do ex-presidente Jair Bolsonaro. Em outras palavras. Embora as coligações no plano municipal tendam a apresentar muitas sobreposições, quando ampliamos a análise, verificamos que os partidos se distribuem mais ou menos segundo uma dinâmica da disputa nacional, com PL e PT distantes, e partidos do chamado centrão ocupando o espaço de intermediação entre essas duas legendas.
Os testes segundo a dimensão do eleitorado ajudaram a acentuar ou a tornar mais claros os padrões observados na análise geral, com o PT assumindo mais claramente um agrupamento no canto inferior à esquerda, e o PL se destacando como um ator importante no canto superior à direita. O agrupamento em torno do PT, contudo, tem uma formação mais nítida, com a participação do PCdoB, PSB, PV, REDE, PDT e PSOL.
Frequência das associações entre os partidos
Uma forma de também olhar os dados das coligações é listar a frequência das associações entre os partidos. Quanto mais frequente, mais próximos eles estarão na rede; quanto menos frequente, mais distantes espacialmente.
Em todo o país, candidatos do PL têm o apoio da Federação PT/PC do B/PV em 13 municípios. Já os candidatos do PT têm o apoio do PL em apenas 3 cidades. Esses números são ínfimos, quando comparamos as coligações dos demais partidos. No grupo dos intermediários, o MDB tem o apoio do União Brasil em 421 municípios, e do PP em 417. Com o PL, são 256 coligações, e com o PT, 345. O PSD, por sua vez, tem o apoio do PP em 431 cidades, seguido do MDB em 414, União Brasil (384) e PT (289). Com o PL, são 322 coligações.
O PSD também apresenta uma distribuição semelhante ao do MDB. O PP (431) foi o partido que os candidatos a prefeito da legenda mais se coligou, seguido do MDB (414) e União Brasil (384). O PT aparece no meio do gráfico, com 289 coligações, mesmo número do PV e PCdoB.
Como forma uma federação com o PCdoB e o PV, estes são os dois partidos presentes em todas as candidaturas do PT. O PSB (247), seguido do MDB (181) e PSD (173) formam a sequência de partidos que o PT se coligou. A disputa nacional entre o PT e o PL se traduz nesses dados. O PL é o penúltimo partido (3 casos) com quem o PT realizou coligação para disputar prefeitura.
Finalmente, a distribuição das coligações do PL mostra uma maior frequência com o PP (301), União Brasil (266), MDB (247) e Republicanos (247). Candidatos do PL apresentam 13 coligações com candidatos do PT, mesmo número para PCdoB e PV, ou seja, coligações realizadas com a federação formada por essas legendas. Essas coligações, contudo, são umas das menos frequentes na rede do PL.