Desde a primeira eleição de Donald Trump, em 2016, pesquisadores de várias universidades pelo mundo têm se debruçado sobre o problema da desinformação como arma política e seus efeitos sobre as preferências eleitorais, a confiança nos partidos, instituições e na própria democracia. Boa parte desses estudos sugere que a desinformação, associada ao ambiente fragmentado e hipersegmentado da comunicação digital, tem sido um fator contribuinte para as dificuldades das democracias ou mesmo como impulso para a ascensão da extrema-direita em diversos países.
Esses estudos sugerem ainda que os consumidores e disseminadores de desinformação tendem a apresentar algumas características em comum, e a principal delas não seria a falta de acesso a informações de qualidade. No geral, são pessoas com baixa confiança nas instituições, forte partidarismo e identidades políticas enraizadas. Por outro lado, lideranças políticas que utilizam a desinformação como arma política apresentam traços populistas; recorrem quase sempre a uma retórica provocativa e sensacionalista para chamar atenção nas redes digitais. Essas lideranças utilizam a desinformação para atacar as instituições, a imprensa tradicional e os adversários políticos. Embora tenham sido achados importantes, um novo estudo indica que o comportamento “populista” sozinho não explicaria a maior probabilidade de políticos utilizarem a desinformação como arma.
Publicado este mês no The International Journal of Press/Politics, “When do parties lie? Misinformation and radical-right populism across 26 Countries” defende que a maior probabilidade para disseminar desinformação está associada aos partidos populistas da extrema-direita. Em outras palavras, segundo Petter Törnberg e Juliana Chueri, ambos da Universidade de Amsterdam, ser populista apenas ou integrar um grupo político de direita não explicar a maior propensão ao uso de desinformação.
“Embora pesquisas anteriores tenham argumentado a favor de uma conexão entre populismo – por definição ligado à desconfiança em instituições como a mídia tradicional – e desinformação, nossos achados não corroboram tal ligação: apenas quando combinado com a ideologia de direita, o populismo está significativamente associado à disseminação de desinformação. Além disso, nossa comparação entre famílias partidárias indica que a desinformação provavelmente está associada ao componente radical da ideologia populista de direita radical, caracterizada pela hostilidade às instituições democráticas”.
Para chegar a essa conclusão, os autores desenvolveram uma metodologia engenhosa de pesquisa. Törnberg e Chueri reuniram um banco de dados com 32 milhões de tweets de 8,1 mil parlamentares em 26 países (o Brasil não está na lista), ao longo de seis anos (2017 a 2022) e vários períodos eleitorais. Esse conjunto de dados, combinado com informações detalhadas do índice V-Dem, permitiu uma análise comparativa das características dos partidos e seus níveis de disseminação de informações falsas.
Como a desinformação foi identificada
Os autores identificaram os políticos que compartilharam desinformação ao analisarem as URLs das fontes de informação que eles disseminavam nos tweets. Os pesquisadores utilizaram ainda o banco de dados Media Bias/Fact Check (MBFC) e a lista de notícias falsas da Wikipédia para classificar a confiabilidade das fontes. O MBFC avalia as fontes de notícias em uma escala de “muito baixa” a “muito alta” em termos de factibilidade, indicando a probabilidade de a fonte conter informações enganosas. A partir daí, os pesquisadores construíram um “escore de factibilidade” para cada partido político, com base na média da classificação das fontes que seus membros compartilhavam. Para garantir a validade dos resultados, uma amostra aleatória de artigos foi verificada manualmente, confirmando a precisão das classificações.
Na imagem abaixo, níveis mais altos de populismo e ideologias de direita estão associados a pontuações de factualidade mais baixas. No entanto, a Figura 1 mostra uma relação fraca entre populismo e pontuações de factualidade, com grande variabilidade nas pontuações para partidos que exibem altos níveis de populismo, sugerindo efeitos muito heterogêneos.

O elo com a extrema-direita populista
Na imagem abaixo (Figura 3), os pesquisadores compararam partidos não populistas (índice de populismo = 0) e partidos populistas (índice de populismo = 1), e identificaram que os partidos populistas de direita, com uma pontuação seis vezes ou mais na escala esquerda-direita, são significativamente mais propensos do que os partidos não populistas de direita a compartilhar informações incorretas.
Quando controlaram os testes pela família partidária, os resultados confirmam que os partidos de direita radical tinham maior probabilidade de compartilhar informações com baixo índice de factibilidade. Os resultados do estudo revelam, portanto, que o populismo de direita radical seria o principal fator associado à disseminação de desinformação. Os achados contestam, dessa maneira, a ideia defendida por outros estudos de que o comportamento populista, seja de esquerda ou de direita, explicaria sozinho a inclinação dos políticos para usar a desinformação como arma. O problema, portanto, não seria o populismo como um todo, mas sim uma vertente específica do populismo que se alinha à extrema-direita.
Para os pesquisadores, a disseminação de desinformação não deve ser compreendida como um fenômeno isolado, mas uma estratégia política do modus operandi da extrema-direita populista em vários países. Isso ocorre porque os partidos dessa ideologia exploram a falta de confiança nas instituições democráticas e na mídia tradicional para promover narrativas, muitas vezes por meio de “fontes alternativas” de informação.
“Movimentos populistas de direita radical estão explorando a crescente desconfiança na informação oficial e nas instituições democráticas estabelecidas, utilizando a desinformação com o objetivo de minar a legitimidade institucional e desestabilizar a política convencional”
Por fim, Törnberg e Chueri argumentam que a desinformação e o populismo de direita radical são “inextricavelmente ligados e sinérgicos”, representando duas “facetas do mesmo fenômeno político”. Ou seja, a desinformação como arma política deve ser vista não apenas uma consequência do populismo de direita radical, mas também como um mecanismo que fortalece seu apoio entre os cidadãos.