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Campanhas negativas e o papel moderador das instituições na erosão da confiança eleitoral

Desde a eleição de Jair Bolsonaro para a presidência da República em 2018, o Brasil assistiu a uma onda crescente de ataques às urnas eletrônicas. Nesse período, a extrema-direita e a parte da direita liderada pelo ex-presidente tentaram aprovar, sem sucesso, a adoção do voto impresso como forma de “dar transparência” ao processo eleitoral.

Os ataques do bolsonarismo preocupam porque estimulam uma desconfiança em parte da sociedade de que a contagem dos votos não representaria a vontade dos eleitores. O efeito é corrosivo para a legitimidade das eleições, um dos pilares dos regimes democráticos.

Esse efeito, contudo, não é direto. As curvas do índice de confiança dos brasileiros nas instituições, indicador elaborado pela IPSOS-IPEC, por meio de pesquisa de opinião, mostra uma variação positiva das “eleições e sistema eleitoral” após 2018.

Aparentemente, o ataque às urnas e ao sistema eleitoral foi seguido de uma reação na imprensa, lideranças políticas e do próprio TSE, o que pode ter contribuído para elevar e não derrubar a confiança nas eleições do país nesse período.

 

O índice relativo às eleições subiu de 33 em 2018 para 59 em 2022. Desde então, o indicador vem caindo, mantendo-se agora na casa dos 50. Parte dessa retração estaria associada à derrota de Bolsonaro em 2022 e à mudança de agenda do bolsonarismo que trocou a defesa do voto eletrônico pela pauta da “anistia”.

O impacto das campanhas negativas

Um estudo que acaba de ser publicado pelo The International Journal of Press/Politics traz outras contribuições para o entendermos o processo de corrosão da confiança no processo eleitoral. Embora tenha focado em 18 nações africanas entre 2017 e 2021, a pesquisa “Beyond the headlines: examining the role of negative campaigning media coverage on electoral trust”, produzido por Kelechi Amakoh, do departamento de Ciência Política da Universidade de Michigan, examinou o impacto da cobertura eleitoral feita pela imprensa e seu potencial em minar a legitimidade do processo eleitoral.

Os resultados do modelo elaborado por Amakoh mostram que a alta atenção da mídia a campanhas que se concentram em ataques e negatividade diminui significativamente a confiança dos eleitores nos resultados eleitorais. Contudo, a análise revelou uma nuance fundamental: esse efeito  é poderosamente moderado pela autonomia dos Órgãos de Gestão Eleitoral, sugerindo que a força institucional pode atuar como um amortecedor contra o cinismo político.

Segundo Amakoh as mensagens de campanha negativa sinalizam ao eleitorado uma predisposição dos candidatos a “fazer o que for preciso para vencer”. Essa percepção alimenta o cinismo, mina a confiança nos políticos e desperta preocupações sobre a probabilidade de fraude, percepções que fragilizam a confiança nas instituições que administram o processo eleitoral. Mesmo níveis modestos de negatividade midiática, o estudo mostra que há impacto corrosivo na percepção pública.

Entretanto, “Beyond the headlines” sugere que o efeito negativo da cobertura de campanhas negativas sobre a confiança é enfraquecido à medida que a autonomia dos Órgãos de Gestão Eleitoral aumenta. A autonomia e a imparcialidade dos órgãos eleitorais funcionariam como um contrapeso institucional, uma salvaguarda que tranquilizaria o público, mesmo em um ambiente de campanha hostil.

Os resultados confirmam, assim, a interação positiva e estatisticamente significativa entre a cobertura midiática negativa e a autonomia dos órgãos eleitorais. A credibilidade do “árbitro eleitoral”, contudo, importa mais para a confiança pública do que o mero “ruído” de uma campanha tóxica. Em um mundo de retórica política cada vez mais polarizada, essa é uma defesa importante do papel das instituições independentes na estabilidade democrática.

Outras variáveis de efeito

O pesquisador da Escola de Michigan avaliou ainda outros fatores que influenciam a confiança eleitoral. A variável “Apoio ao vencedor”, por exemplo, demonstrou um dos efeitos individuais mais fortes no modelo, com indivíduos que apoiaram o partido ou candidato vitorioso exibindo um nível de confiança substancialmente maior nos resultados, um achado que ressalta o viés partidário inerente à avaliação eleitoral.

O ambiente político demonstrou um impacto significativo, visto que viver em um regime mais democrático está associado a uma confiança eleitoral muito maior. Foi observada também uma forte associação negativa entre pobreza e confiança eleitoral, indicando que a privação material e o enfrentamento de dificuldades tendem a gerar menor confiança na integridade dos processos.

Curiosamente, a pesquisa identificou um retrato complexo do cidadão cético: tanto uma maior exposição geral à mídia (rádio, TV, internet) quanto um maior nível de educação estiveram associados a uma menor confiança nos processos eleitorais. Essa correlação, segundo o autor, sugere que o consumo mais alto de notícias, juntamente com o aumento da instrução formal, pode aumentar a consciência sobre a negatividade da campanha e as controvérsias do processo.

Referência

AMAKOH, Kelechi. 2025. Beyond the Headlines: Examining the Role of Negative Campaigning Media Coverage on Electoral Trust. The International Journal of Press/Politics. Disponível em: https://doi.org/10.1177/19401612251375535. Acessado em Dezembro/2025.

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Fábio Vasconcellos

  • Doutor em Ciência Política pelo IESP (2013) e mestre em Comunicação Social pela UERJ (2008). Professor associado da Faculdade de Comunicação UERJ. Temas de interesse: Comportamento Eleitoral; Comunicação Política; Eleições; Opinião Pública; Analise de Dados.

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