O cenário midiático contemporâneo levanta questões fundamentais sobre o que a audiência realmente espera e busca ao consumir notícia jornalística. Como sabemos, no atual modelo, a produção e a circulação de notícias e informações se dispersaram, e novos agentes entraram nesse ambiente dominado pelas redes sociais.
O resultado disso é uma inflação de conteúdos, um maior acirramento do debate público e, muitas vezes, uma busca desenfreada por audiência. Esse último ponto, associado à hipersegmentação dos canais, tem estimulado mudanças nas preferências dos públicos, em especial, sobre as notícias produzidas pela “imprensa profissional”. Para uma parte significativa, a imprensa é “tendenciosa”, “tem preferência política”, sendo, portanto, uma instituição parcial.
Aqui tem um ponto de tensão. Historicamente, a imparcialidade foi considerada como fator determinante no jornalismo profissional, um atributo essencial para a construção da sua autoridade e de seu papel nas democracias. Contudo, esse conceito encontra hoje uma realidade complexa, onde diferentes públicos parecem ter expectativas distintas sobre a imprensa, e a própria viabilidade ou desejabilidade da imparcialidade tem sido fortemente criticada, inclusive, no mundo acadêmico.
Um estudo que acaba de ser publicado na International Journal of Communication apresenta alguns achados que ajudam a jogar luz sobre as preferências da audiência pela imparcialidade jornalística. Realizado por meio de um survey online aplicado em 40 países com mais de 80 mil respondentes, “Who Wants Impartial News? Investigating Determinants of Preferences for Impartiality in 40 Countries” concluiu que a maioria das audiências expressa preferência por notícias imparciais.
No entanto, a análise dos dados revelou que essa preferência não é uniforme, identificando grupos específicos mais propensos a buscar notícias que validem ou compartilhem seu próprio ponto de vista.
Na média, 51% dos entrevistados preferem notícias imparciais. A Grécia lidera com 71%, seguido pela Alemanha (64%) e Hong Kong (62%). O Brasil aparece na 29ª posição entre os 40 países, com 48%.
Entre as pessoas que preferem notícias parciais, isto é, que compartilham o ponto de vista com o qual concorda, a média dos 40 países ficou em 24%. A nação com o maior percentual foi Turquia (54%), seguida pelo México, com 44%. O Brasil aparece na 5ª, com 40%, quase o dobro da média mundial.
O efeito da ideologia e do interesse por política
Segundo o estudo, pessoas com preferências ideológicas fortes e alto interesse em política são mais propensas a preferirem notícias que se alinham com suas visões. Em outros termos, essa preferência é negativamente associada à busca por notícias imparciais.
Uma possível interpretação desse dado é que, para esse grupo, fontes ideologicamente congruentes servem como um suplemento ao consumo geral de notícias.
Audiências mais jovens e aquelas que dependem principalmente de mídias sociais para obter notícias são também mais propensas a expressar preferências por notícias que adotam um ponto de vista.
Esse dado pode refletir expectativas distintas sobre o jornalismo, moldadas pelo ambiente inerente a essas plataformas, muitas vezes saturado por opiniões e perspectivas explícitas.
O estudo também encontrou evidências de que mulheres e indivíduos com menor nível de escolaridade e renda familiar (classificados como grupos menos favorecidos) tendem a preferir notícias mais parciais.
Para esses grupos, a preferência por notícias com um viés pode derivar de uma percepção de sub-representação ou representação injusta na mídia tradicional.
Ou seja, segundo o estudo, essa relação pode representar uma forma de buscar notícias que os retratem de maneira mais justa, ou até mesmo uma “resposta expressiva” à frustração com mídias que, na percepção deles, não cumprem o ideal de imparcialidade.
Ambiente midiático importa
Além das características individuais, o estudo demonstra que o ambiente midiático e a maturidade democrática de um país também moldam essas preferências. Países com maior variedade de fontes de notícias tendem a apresentar menor preferência por imparcialidade, enquanto nações com melhor qualidade democrática e onde os jornalistas percebem menor influência política sobre seu trabalho mostram maior apreço pela imparcialidade.
Para os autores do estudo, os resultados sublinham a complexidade na interpretação das atitudes da audiência. As preferências não se resumem a características individuais, mas também refletem a avaliação que o público faz da oferta de notícias existente e sua crença de que essa oferta é completa, justa e precisa.
A preferência por notícias “sem ponto de vista” entre grupos mais privilegiados, por exemplo, pode, ironicamente, significar uma preferência por notícias que reflitam e reforcem as perspectivas dominantes.
Limitação
Para realizar o estudo, os pesquisadores utilizaram dados da pesquisa online da Reuters Institute Digital News Report 2020. A preferência por imparcialidade foi operacionalizada com uma única pergunta de múltipla escolha: preferir notícias de fontes que compartilham seu ponto de vista, que não têm um ponto de vista específico, que desafiam seu ponto de vista, ou não sabem.
As respostas foram tratadas como variáveis dependentes dicotômicas, focando nas duas primeiras opções, que representaram a maioria das respostas (51% preferiram “nenhum ponto de vista específico” e 24% “compartilham seu ponto de vista”). Para analisar os fatores individuais, foram usados modelos lineares multinível. Para os fatores nacionais, foram usadas correlações bivariadas com dados sobre número de fontes, qualidade da democracia (Freedom House) e percepções de jornalistas sobre influência política (Worlds of Journalism Survey).
No estudo, os autores reconhecem que a pergunta única sobre imparcialidade não captura toda a sua complexidade. Apesar das limitações, como a operacionalização da imparcialidade com uma única pergunta e o viés da amostra online que não inclui populações sem acesso à internet, o estudo oferece uma base empírica para pensarmos a relação entre jornalismo e audiência em escala global e em realidades locais como a nossa. A pesquisa reforça que, na era digital e polarizada, o debate sobre a imparcialidade está longe de ser apenas teórico; ele é fundamental para entender quem busca qual tipo de informação e por quê.
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Fábio Vasconcellos
Doutor em Ciência Política pelo IESP (2013) e mestre em Comunicação Social pela UERJ (2008). Professor associado da Faculdade de Comunicação UERJ. Temas de interesse: Comportamento Eleitoral; Comunicação Política; Eleições; Opinião Pública; Analise de Dados.