O julgamento iniciado no Supremo Tribunal Federal (STF) contra os acusados de tramarem um golpe contra a democracia no Brasil é um típico exemplo de responsabilização política com efeitos significativos e positivos para o país.
Denominada na Ciência Política pelo conceito de Accountability Político, a atuação da sociedade e dos órgãos de controle para cobrar ou limitar o abuso de poder e os desvios dos representantes e instituições funciona como um instrumento capaz de melhorar e qualificar democracias.
Esse efeito se manifesta de três maneiras: através da responsabilidade vertical, onde os cidadãos responsabilizam o governo por meio de eleições e partidos políticos; da responsabilidade horizontal, na qual outras instituições estatais, como o legislativo e o judiciário, fiscalizam o poder executivo; e da responsabilidade diagonal, exercida por atores não-estatais, como a mídia independente e a sociedade civil, que informam e pressionam o governo.
Accountability cai entre 2014 e 2022
Uma análise do Índice de Accountability criado pelo Instituto V-DEM mostra que o Brasil apresentou alta e depois estabilidade acima de 0,90 entre 1988 e 2015. (O índice é resultado de entrevistas com especialistas em cada país pesquisado)
O Índice de Accountability, que varia de 0 a 1, contudo, caiu no Brasil no período entre 2015 e 2022, quando o país enfrentou a crise que levou ao impeachment de Dilma Rousseff, seguida da eleição de Jair Bolsonaro e a Pandemia.
Nesse período, o pior patamar registrado (0,74) ocorreu durante o primeiro ano do Governo Bolsonaro.
O índice de Accountability do Brasil só voltou a subir em 2023, quando Luiz Inácio Lula da Silva foi eleito. Em 2024, já com as investigações sobre a trama golpista em curso, o índice manteve-se na casa dos 0,94.
Quando analisamos os subitens que compõem o Índice de Accountability do Brasil, vemos que a Accountability Horizontal, isto é, aquela em que as instituições estatais atuam para controlar as ações e abusos dos demais poderes, registra o menor patamar em toda a série histórica, em comparativo com os índices da Accountability Vertical e Diagonal.
No período entre 2014 e 2022, o declínio da Horizontal é ainda mais forte que os demais indicadores, indicando uma baixa capacidade das instituições de cumprirem suas funções de controle e responsabilização.
Chama atenção, nesse caso, o fato de que, nesse período, o Congresso Nacional aprovou o impeachment da ex-presidente Dilma. A Accountability Horizontal voltou a subir fortemente em 2023 e manteve-se alta em 2024.
No comparativo, a maior queda proporcional entre os três índices no período de 2014 e 2022 ocorreu a Accountability Diagonal, que consiste na atuação da sociedade civil e da mídia independente em cobrar e responsabilizar as instituições (-15%).
Na sequência, a maior queda foi na Accountability Horizontal (-13%). A Accountability Vertical, que consiste na participação eleitoral da população, apresentou uma variação pequena de -5%
A independência do STF
Como parte da composição da Accountability Horizontal, o Instituto V-DEM considera a avaliação dos entrevistados sobre a independência da Suprema Corte. Nesse caso, a classificação varia de 0 a 4, em que 0 significa que o STF toma decisões sempre alinhadas com os interesses do Executivo, enquanto 4, representa “nunca”. Portanto, quanto maior a média, maior a independência da Suprema Corte.
No período, é possível notar que a independência do STF permaneceu praticamente estável entre 1988 e 2005, quando sobe fortemente. É nesse ano que o Supremo julga o caso do Mensalão. Entre 2005 até 2014, quando começa a Lava-Jato, a média foi crescente.
A partir de 2014, quando os desdobramentos da Lava-Jato se intensificam, a média da independência do STF cai, e permanece em baixa entre 2015 e 2019. Com o início do Governo Bolsonaro, a independência do STF volta a subir.
Vale lembrar que o Supremo teve atuação marcante no controle de várias decisões do Executivo, sobretudo durante a Pandemia. A avaliação da independência continuou subindo com a eleição de Lula, em 2022.
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Fábio Vasconcellos
Doutor em Ciência Política pelo IESP (2013) e mestre em Comunicação Social pela UERJ (2008). Professor associado da Faculdade de Comunicação UERJ. Temas de interesse: Comportamento Eleitoral; Comunicação Política; Eleições; Opinião Pública; Analise de Dados.