O terceiro ano do Governo Lula tem sido marcado por eventos com alto potencial de promoção de crises. São acontecimentos que, uma vez publicizados, são apropriados pela oposição e pela cobertura jornalística, desencadeando o que muitos classificam de “crise”.
Um parêntese: acho que vale um post futuro com uma discussão mais atenta sobre o conceito de crise e seus diversos usos. Por ora, gostaria de analisar alguns dados que ilustram como o ambiente hiperconectado da comunicação condiciona, em certa medida, as dinâmicas das “crises” de governo, política e/ou de comunicação
No início do ano, uma decisão da Receita Federal obrigou as fintechs a reportarem dados sobre transações acumuladas com PIX acima de R$ 5 mil por mês para pessoas físicas. A medida gerou uma repercussão negativa, com muitas pessoas temendo que levaria mais trabalhadores autônomos e informais a caírem na malha fina. Houve ainda uma enxurrada de fake news sobre a decisão da Receita. Dias depois, o Governo decidiu revogar a medida.
A chamada “Crise do PIX”, como foi denominada pela imprensa, foi substituída no fim de abril pelo “Escândalo do INSS”, que veio à público após uma investigação da Polícia Federal descobrir descontos irregulares no pagamento de benefícios.
Os primeiros dados indicam claramente a “troca de guarda” dos dois casos na cobertura jornalística. Entre janeiro e 20 de maio, período da amostra, os termos “crise do PIX” foram mencionados 1.348 vezes, enquanto “escândalo do INSS”, 1.304. Claramente, o caso do INSS, que tem menos de 30 dias, ganhou um volume muito mais expressivo de menções que o evento do PIX.
A repercussão dos dois casos gerou desgaste para o Governo, com uma forte associação de termos negativos nas matérias negativas, ainda que, no caso do PIX, boa parte da imprensa ainda tenha tentado esclarecer que a decisão da Receita Federal não afetaria a vida de quem já usa a ferramenta.
No ambiente da comunicação digital, contudo, “crises” não refletem mais e exclusivamente as dinâmicas e comportamentos da cobertura da imprensa. Boa parte dos conteúdos que a própria imprensa repercute tem relação com o que a oposição contribuiu para amplificar o caso ou, muitas vezes, apresentar novos dados ou interpretações sobre o evento.
Em outras palavras, os escândalos são também como agentes de fiscalização e a imprensa conseguem se apropriar do caso para ampliar a visibilidade do tema, dando sentidos o termo “crise”.
Se antes esses dois atores dependiam dos critérios de noticiabilidade da imprensa para decidir se suas falas e posicionamentos valiam cobertura jornalística, agora o ambiente digital e a facilidade de publicação e veiculação afetou essa dinâmica. A força de um conteúdo no ambiente digital, em especial em uma situação de “crise”, tem capacidade de interferir no dimensionamento da própria crise. É um círculo que se retroalimenta entre imprensa e digital, digital e imprensa.
O vídeo do deputado Nikolas Ferreira (PL) sobre o PIX, publicado dias após a notícia sobre a decisão da Receita, é um exemplo claro dessa nova dinâmica. Mas como ela se relaciona com a cobertura da imprensa?
No mesmo período em que a imprensa fez 1.348 menções à “crise do PIX”, houve 711 à “Nikolas e PIX”, uma proporção de 53%. No caso do “escândalo do INSS”, a proporção foi menor, 14%.
Com esses dados, calculei a correlação entre “Nikolas e PIX” com “crise do PIX”, e o resultado foi positivo de 0,64, indicando uma associação média alta entre os dois termos. Apesar disso, a relação não é linear. O gráfico de dispersão mostra uma concentração muito alta no início dos dois eixos e, depois, uma maior dispersão entre os dois termos.
Embora essas características dos dados devam ser consideradas, há algum indicativo de que o vídeo de Nikolas não apenas ajudou a incendiar as redes, como também trafegou pela imprensa, contribuindo ainda mais para o dimensionamento da “crise”. Em outros termos, o digital repercutiu o conteúdo da imprensa, assim como o digital conseguiu agendar a cobertura jornalística sobre o caso do PIX.
No caso do “escândalo do INSS” e “Nikolas e INSS” mencionados pela imprensa, o teste de correlação foi mais modesta, 0,56. De todo modo, há indicações de que o uso das redes pelo deputado federal, que voltou a gravar vídeo para a crise do INSS, teve força para chamar a atenção e a cobertura da imprensa. Também aqui, o caso ganhou o sentido de “crise” pelo próprio dimensionamento dado ao caso, não apenas pela cobertura da imprensa, dada a sensibilidade do caso, mas também pela produção de conteúdo pela oposição.
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Fábio Vasconcellos
Doutor em Ciência Política pelo IESP (2013) e mestre em Comunicação Social pela UERJ (2008). Professor associado da Faculdade de Comunicação UERJ. Temas de interesse: Comportamento Eleitoral; Comunicação Política; Eleições; Opinião Pública; Analise de Dados.