Pela primeira vez em mais de duas décadas, o mundo tem mais autocracias do que democracias. Este é o principal destaque do novo estudo Democracy Report 2025, produzido pelo V-Dem Institute e que acaba de ser publicado.
Elaborado a partir de questionários aplicados com especialistas em todo mundo, o levantamento traça um panorama preocupante sobre o estado das liberdades em 179 países.
O nível de democracia para o cidadão médio regrediu ao patamar de 1985, e, quando analisado por países, voltou a 1996. Dos países avaliados, apenas 29 são considerados democracias liberais — o tipo de regime mais raro hoje em dia, segundo o V-Dem.
A queda não é pontual, mas parte de uma onda global de autocratização que já dura 25 anos. Quase 40% da população mundial — 3,1 bilhões de pessoas — vivem em países onde governos estão concentrando poder, censurando a imprensa e enfraquecendo instituições, ou seja, em regime em processo de autocratização.
O Leste Europeu e o Sul e Centro da Ásia são as regiões onde o declínio é mais acentuado. Entre as 45 nações nesse processo, 27 eram democracias no início da deterioração. Hoje, apenas 9 resistem — uma “taxa de mortalidade” de 67%.

Episódios de Transformação de Regime (ERT) como critério
O estudo da V-Dem sobre democracia e autocracia utiliza como base a pesquisa “Episodes of regime transformation”, de Seraphine Maerz e colegas, publicado em 2023. O estudo classificou o que chamou de Episódios de Transformação de Regime (ERT, sigla em inglês) a partir da análise 680 casos de mudanças políticas significativas entre autocracias e democracias de 1900 a 2019.
Segundo Maerz, a principal diferença entre um processo de democratização e um processo de autocratização reside na direção da mudança ao longo de um continuum democracia-autocracia.

Enquanto a democratização é caracterizada como um período em que um país passa por mudanças sustentadas e substanciais na direção de melhorias nas instituições e práticas democráticas, a autocratização é definida como um processo que resulta em um declínio sustentado e substancial dos atributos democráticos.
Assim tanto a democratização quanto a autocratização podem ocorrer em democracias (através da regressão democrática) ou em autocracias (através da regressão autocrática).
Brasil freou autocratização com eleição de 2022
O relatório “Democracy Report 2025” aponta que a liberdade de expressão, um dos pilares da democracia, está sob ataque sem precedentes. Em 2024, 44 países registraram retrocessos nessa frente, ante 35 no ano anterior.
Eleições limpas pioraram em 25 nações, a liberdade de associação em 22 e o Estado de Direito em 18. Os números contrastam com os avanços: apenas oito países melhoraram em liberdade de expressão, contra 29 em 2004. O resultado é que 72% da população global vive hoje sob autocracias, o maior percentual desde 1978.
Há poucos sinais em sentido contrário. Apenas 19 países estão democratizando, com Brasil, Polônia e Tailândia concentrando dois terços da população afetada por mudanças positivas.
Quando a transição parte de regimes autoritários, a taxa de sucesso é de 75%, com avanços principalmente em liberdade de imprensa e Justiça. Mas esses casos são minoria: representam só 6% da população global, enquanto as autocracias seguem em expansão.

Segundo o estudo, o Brasil é um dos casos mais notáveis de nação que conseguiu reverter o processo de retrocesso democrático que teve início em 2016, após o impeachment da então presidente Dilma Rousseff.
Em meio a instabilidade política e polarização política, o então deputado federal Jair Bolsonaro foi eleito em 2018, com uma agenda populista de direita. O Governo Bolsonaro, na avaliação da V-Dem, foi marcado por ataques à imprensa, tentativas de deslegitimar eleições e constantes conflitos com o Congresso e o Judiciário.
“O processo de autocratização foi interrompida e revertida em 2022, quando o candidato da oposição, Luiz Inácio Lula da Silva, derrotou Bolsonaro nas urnas”. Desde então, a democracia brasileira vem se recuperando, embora ainda não tenha retornado integralmente aos níveis anteriores.
Na avaliação da V-Dem, o caso do Brasil ilustra como eleições livres e a resistência institucional podem frear o avanço do autoritarismo, mesmo em contextos de forte erosão democrática.
Eleições em todo planeta foram insuficientes para frear onda de autocratização
O ano de 2024, com eleições em 61 países, não conseguiu reverter a tendência global de autocratização. Apenas 11 nações tiveram mudanças significativas — sete para pior e quatro para melhor.
O saldo foi mais violência política e protestos pró-democracia, mas nenhuma virada estrutural. O relatório ainda lista sete países à beira do autoritarismo e três com chance de democratizar, sinalizando que a crise pode se aprofundar.
Segundo o estudo da V-Dem, o quadro é especialmente preocupante no campo econômico: o poder das democracias está no nível mais baixo em 50 anos. Os dados sugerem que, sem uma reação coordenada, o mundo pode seguir acelerando esse retrocesso — não em anos, mas em décadas.
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Fábio Vasconcellos
Doutor em Ciência Política pelo IESP (2013) e mestre em Comunicação Social pela UERJ (2008). Professor associado da Faculdade de Comunicação UERJ. Temas de interesse: Comportamento Eleitoral; Comunicação Política; Eleições; Opinião Pública; Analise de Dados.