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Fim da gratidão eleitoral? O que esperar da relação entre Bolsa Família e voto em 2026

Dados apurados em pesquisas do Instituto Quaest suscitaram uma questão cuja resposta ainda desafia cientistas políticos e analistas. Como é possível que quase 70% dos brasileiros considerem que os programas do governo federal impactam positivamente suas vidas e, mesmo assim, o governo Lula registre um índice de desaprovação maior que o de aprovação?

Para o diretor do Instituto Quaest, Felipe Nunes, o Brasil vive um processo de “extinção da gratidão automática” do eleitor em relação a governos ou lideranças políticas. Pela Quaest, 51% dos brasileiros consideram que os programas de governo representam direitos e ninguém pode retirá-los.

A hipótese do fim da gratidão se assentaria também em outro dado. Cerca de 70% dos entrevistados pela Quaest afirmam que não têm medo de perder algum benefício, caso o presidente Lula não seja reeleito.

Essa possível mudança de percepção dos brasileiros tem implicações eleitorais. Se comprovada a hipótese do fim da gratidão automática, programas como o Bolsa Família, o mais mencionado entre os entrevistados e de longe o mais importante programa Federal, tenderiam a perder a associação com o voto. Quem mais perderia com essa mudança? A considerar eleições passadas, o presidente Lula.

Contudo, só poderemos testar a validada da hipótese do fim da gratidão em 2026.  Por ora, trago alguns dados para examinar como a gratidão eleitoral se distribuiu em três eleições presidenciais e  por que ainda existem indicações de que ela persiste.

Entre 2014 e 2018, forte associação positiva com Dilma e Haddad

Na eleição de 2014, houve uma associação positiva e bastante elevada (0,82) entre a proporção de votos da então presidente Dilma Rousseff e o percentual de beneficiários nos mais de 5 mil municípios. Quanto maior o percentual de beneficiários, maior foi a proporção de votos em Dilma. Essa distribuição foi exatamente o oposto para o principal candidato de oposição na época, Aécio Neves (associação -0,82).

Na eleição de 2018, quando o PT, já fora do governo, e Jair Bolsonaro, que representava a principal força eleitoral do campo da direita, disputaram o principal cargo do país, vimos um comportamento semelhante.

A votação de Fernando Haddad (PT) apresentou novamente uma alta associação positiva com a proporção de beneficiários do Bolsa Família (0,83). Bolsonaro, por sua vez, registrou uma relação negativa, isto é, quanto maior a proporção de beneficiários do Bolsa em uma cidade, menor foi o percentual de votos no então candidato do PSL.

Os dados de 2014 e 2018 indicaram, portanto, uma relação de gratidão entre os beneficiários do Bolsa Família e o candidato do PT, mesmo com o PT fora do governo desde o impeachment da ex-presidente Dilma.

Em 2022, Lula levou vantagem em relação a Bolsonaro

A prova de fogo da gratidão eleitoral, considerando o Bolsa Família como variável, ocorreu em 2022. O ex-presidente Bolsonaro, que havia trocado o nome do programa para Auxílio Brasil, ampliou o valor pago às famílias e também o número de beneficiários.

Apesar disso, a associação positiva entre proporção de votos e Auxílio Brasil ocorreu com o então candidato Luiz Inácio Lula da Silva (PT), e não com Jair Bolsonaro. A gratidão eleitoral, nesse sentido, se deu mais em razão da memória que o eleitor tinha de quem havia expandido o programa no passado (Lula), do que com quem apostara tudo para ser reeleito, inclusive, mudando a sua denominação.

Chama atenção, contudo, uma leve queda no índice de associação. Se em 2018 havia sido de 0,83, na eleição de 2022 registrou 0,76. Pode ser apenas uma variação estatística ou um pequeno indício de alguma mudança em curso.

De todo modo, a eleição de 2022 voltou a repetir o padrão de forte relação entre voto e Bolsa Família a favor de um candidato do PT.

Mudança substancial em 4 anos?

Se a hipótese do fim da gratidão eleitoral estiver correta, o Brasil teria passado por uma mudança substancial em apenas quatro anos. De um país cuja gratidão em relação ao principal programa social era fortemente associada ao PT e seus candidatos teríamos passado para um país para quem os benefícios gerados por políticas como essa perderam associação com a direção do voto.  

É por essa razão que em 2026 teremos a chance de testar essa hipótese.

A hipótese alternativa, considerando as eleições de 2014 a 2022, é que o Bolsa Família não perdeu relevância eleitoral, mas sim que sua apropriação política permanece vinculada ao partido historicamente associado à criação e manutenção do programa mesmo em um patamar menos forte e diante das mudanças de percepção identificadas pela Quaest.

Como vimos, a disputa de 2022 entre um presidente que havia ampliado o programa social e um ex-presidente que havia patrocinado a popularização do Bolsa Família, sugere que esse associação está sedimentada a favor do PT e seus candidatos. 

Atenção: A variável “proporção de famílias no Bolsa Família” se refere ao total de moradores em cada uma das 5 mil cidades. Os dados estão agregados e, portanto, não consideram a relação direta entre o voto individual e Bolsa Família. A interpretação dos dados, nesse sentido, implica em certa cautela sobre causalidade, já que também outras variáveis como IDH, escolaridade, emprego, diferenças regionais entre outras também operaram conjuntamente.

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Fábio Vasconcellos

  • Doutor em Ciência Política pelo IESP (2013) e mestre em Comunicação Social pela UERJ (2008). Professor associado da Faculdade de Comunicação UERJ. Temas de interesse: Comportamento Eleitoral; Comunicação Política; Eleições; Opinião Pública; Analise de Dados.

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