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Inteligência Artificial cita o 8 de Janeiro e reprova a democracia brasileira em quatro dos sete itens avaliados

A tendência das pessoas substituírem sites ou apps de notícia pela Inteligência Artificial generativa como principal fonte de informação política tem despertado a preocupação de pesquisadores e analistas políticos.

Se esse cenário se confirmar, as grandes empresas de tecnologia passarão a ter ainda mais controle no tipo de informação consumida, já que os algoritmos dessas ferramentas são opacos e podem apresentar diferentes estruturas de decisão sobre o que apresentar e como apresentar para as pessoas.

Diante disso, e no atual contexto do Brasil, fizemos um teste com as cinco principais IA do mercado (GPT, Claude, Gemini, DeepSeek, Copilot) e publicamos os resultados no nosso último post.

Na publicação, apresentamos as notas que as IA atribuíram à democracia no Brasil, e também como elas avaliavam sete pontos principais da nossa democracia

Agora, apresentamos as justificativas listadas pelas IAs em cada um dos tópicos examinados. Se considerarmos seis como uma nota de corte, as IAs reprovaram a democracia brasileira em quatro dos sete temas avaliados.

Processo Eleitoral e Pluralismo (média geral 8,6)

Todas as IAs consideraram o processo eleitoral brasileiro um ponto forte, atribuindo notas mais altas (entre 8 e 9), embora com nuances nas justificativas.

De uma maneira geral, contudo, o Deepseek  trouxe uma argumentação mais rica ao detalhar tanto os pontos fortes quanto as falhas sistêmicas que impedem a nota máxima.

O Deepseek destacou, por exemplo, a eficiência e transparência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e do sistema eletrônico de votação, mencionando resultados rápidos e incontestáveis, além do amplo pluralismo partidário e “transições pacíficas de poder”. No entanto, apontou como fraquezas as distorções na representatividade e a influência desigual de recursos financeiros nas eleições.

Gemini focou na robustez, eficiência e transparência do sistema eleitoral e na capacidade da Justiça Eleitoral de organizar eleições complexas. O GPT, por sua vez, enfatizou a tecnologia avançada das urnas eletrônicas, a fiscalização rigorosa e o reconhecimento internacional da Justiça Eleitoral, mas também citou tentativas de descredibilizar o sistema por desinformação e a falta de transparência no financiamento eleitoral.

O Claude reforçou a transparência do TSE, a disponibilização do código-fonte da urna para auditoria e o programa de enfrentamento à desinformação, justificando a nota pela robustez e confiabilidade do sistema. O Copilot também salientou a segurança e eficiência do sistema eletrônico e a ampla participação popular, reconhecendo as eleições de 2022 como legítimas, apesar de identificar a desinformação como um ponto de atenção.

Liberdades Civis e de Imprensa (média geral 6,7)

Neste ponto, as notas variaram entre 6 e 7, com justificativas que, em sua maioria, apontaram desafios significativos. 

A justificativa do Deepseek e GPT se destacou pela profundidade ao explorar as múltiplas formas de ameaças à liberdade, enquanto Copilot trouxe um exemplo concreto e relevante para o contexto atual.

O Deepseek reconheceu as amplas liberdades garantidas pela Constituição de 1988, mas focou nas preocupações, como intimidação, processos judiciais estratégicos (lawfare) e violência física contra jornalistas, além de ataques verbais de autoridades.

O Gemini teve uma abordagem mais otimista, destacando as garantias constitucionais, a mídia diversa e ativa, e o papel crucial no controle social.

Já o GPT alinhou-se a Deepseek ao mencionar as ameaças frequentes a jornalistas, ativistas e defensores de direitos humanos, detalhando a censura indireta por meio de judicialização e vigilância digital.

O Claude observou uma melhora significativa do Brasil em rankings de liberdade de imprensa e a “normalização das relações com a imprensa”, mas ainda listou desafios como pressões econômicas e polarização.

O Copilot apresentou um argumento forte e contemporâneo, citando episódios de censura judicial, como a suspensão da rede social X, e criticando o ativismo judicial que pode comprometer o debate público.

Instituições de Controle e Equilíbrio de Poderes (média geral 6,3)

As avaliações para este ponto mostraram a maior disparidade, variando de 5 a 7,5.

O Deepseek atribuiu a nota mais baixa (5), argumentando que, embora o desenho formal preveja freios e contrapesos, na prática há constante tensão e disfunção. A IA criticou a relação Executivo-Legislativo mediada por “trocas de favores” e o “orçamento secreto”, que minam a independência do Congresso, além da politização de órgãos como a Polícia Federal, Ministério Público e Judiciário.

GPT e Copilot apresentaram justificativas semelhantes, com notas de 6 e 7, respectivamente. Ambos destacaram a atuação do Judiciário (com GPT mencionando a atuação firme do STF e Copilot citando o ministro Alexandre de Moraes), mas também apontaram judicialização excessiva da política, pressões do Executivo e falta de autocontenção como fragilidades.

O Gemini foi mais moderado, vendo o sistema como funcional apesar da tensão, com atuação independente do Judiciário, MP e TCU.

O Claude foi o mais otimista (7,5), afirmando que o sistema funciona “relativamente bem” com instituições fortes e independentes, mas reconhecendo “tensões institucionais ocasionais”. 

Estado de Direito e Combate à Corrupção (média geral 5,3)

Neste tópico, as notas ficaram entre 4 e 6, refletindo a complexidade do tema.

O Deepseek atribuiu a nota mais baixa (4), qualificando o eixo como a “maior contradição”. A IA reconheceu o sofisticado arcabouço legal (Lei de Ficha Limpa, Lei Anticorrupção) e a capacidade do sistema (Lava Jato), mas criticou severamente a aplicação inconsistente e seletiva da lei, a alta impunidade para crimes de colarinho branco, a persistência da corrupção sistêmica e a politização do combate à corrupção.

O Gemini, por sua vez, apontou a elevada percepção de impunidade, a contínua emergência de escândalos e a aplicação não uniforme da lei.

O GPT e o Claude (com notas 5 e 5,5) apresentaram justificativas muito similares, focando na existência de instituições anticorrupção atuantes versus os elevados índices de percepção de corrupção, além da morosidade e desigualdade no acesso à justiça.

O Copilot notou avanços na responsabilização (citando o julgamento de envolvidos em tentativa de golpe), mas ressaltou que a corrupção é um problema estrutural com punições lentas e seletivas, e a necessidade de despolitizar o combate.

Participação Política e Desigualdade Social (média geral 5,3)

As notas para este ponto foram consistentemente baixas, variando de 5 a 6.

Deepseek justificou a nota 5 afirmando que, embora o direito formal de participar seja garantido, a participação efetiva e igualitária é severamente limitada pela “brutal desigualdade social e econômica”.

A IA argumentou que cidadãos preocupados com a sobrevivência têm menos capacidade de engajamento e que o financiamento de campanhas favorece interesses econômicos concentrados. Mencionou também que movimentos sociais enfrentam repressão.

Gemini e GPT também relacionaram a limitada participação efetiva, além do voto obrigatório, à profunda desigualdade social e econômica que se traduz em desigualdade política, na qual o poder econômico concentra a influência.

Claude e Copilot (notas 5 e 5,5) complementaram essas justificativas ao especificar a baixa representação de mulheres, negros e indígenas e o déficit de cidadania nas periferias e regiões mais pobres como reflexos diretos dessa desigualdade, apesar da existência de mecanismos formais de participação.

Funcionamento do Governo e Representatividade (média geral 5,1)

As notas para este tópico variaram de 4 a 6.

O Deepseek atribuiu a nota mais baixa (4), destacando graves ineficiências e problemas de representatividade. A IA criticou o presidencialismo de coalizão por ser baseado em “negociatas que desviam o foco do interesse público” e apontou a distorção da representatividade no Congresso, que não reflete a diversidade étnica, de gênero e social do país. A justificativa concluiu que os cidadãos sentem que suas demandas não são ouvidas.

O Gemini também apontou o pragmatismo do presidencialismo de coalizão como causa de fragmentação e negociações que nem sempre refletem o interesse público, além da percepção de distanciamento dos representantes.

GPT e Claude (com notas 5,5 e 6) observaram que o governo funciona dentro dos marcos legais, mas com limitações de representatividade, fragmentação partidária e dificuldades de governabilidade.  O Copilot reiterou a limitada representatividade, a sensação de não ser representado, e o impacto da baixa renovação política no distanciamento entre eleitos e eleitores.

Polarização Política e Desinformação (média geral 3,9)

Todas as IAs convergiram na avaliação de que este é um dos pontos mais frágeis da democracia brasileira, atribuindo notas baixas (entre 3 e 4,5).

O Deepseek deu a menor nota (3), descrevendo a polarização como “tóxica”, transformando o oponente em inimigo e sendo fertilizada por campanhas massivas de desinformação e redes de ódio. A IA citou os ataques de 8 de janeiro de 2023 como a manifestação mais perigosa dessa dinâmica, corroendo a confiança em instituições e na ciência.

Gemini, GPT, Claude e Copilot também enfatizaram a polarização extrema que dificulta o diálogo e o consenso, a proliferação de desinformação que mina a confiança pública e a cultura de “nós contra eles”.

O GPT ainda mencionou o discurso de ódio e a violência política como sintomas desse problema. 

 
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Fábio Vasconcellos

Doutor em Ciência Política pelo IESP (2013) e mestre em Comunicação Social pela UERJ (2008). Professor associado da Faculdade de Comunicação UERJ. Temas de interesse: Comportamento Eleitoral; Comunicação Política; Eleições; Opinião Pública; Analise de Dados.

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