Um estudo experimental produzido por três cientistas políticas e aplicado em 12 países, entre eles o Brasil, mostra que a presença de mulheres nas casas legislativas aumenta a percepção da população sobre a legitimidade das decisões políticas.
O estudo foi realizado para testar a hipótese de que as cotas de gênero, como muitos acreditam, poderiam reduzir a legitimidade do legislativo. Para as autoras, as cota são não apenas uma ferramenta para aumentar a representação feminina, mas também um mecanismo que ajuda a reforçar a legitimidade democrática. Ainda segundo a pesquisa, os cidadãos preferem fortemente o equilíbrio de gênero, mesmo quando ele é alcançado por meio de cotas nas casas legislativas.
Publicado no mês passado na American Political Science Review, “Electoral Gender Quotas and Democratic Legitimacy” foi produzido por Amanda Clayton, Diana Z. O’Brien e Jennifer M. Piscopo.
No experimento, aplicado em um ambiente online, com mais de 17 mil pessoas de diversos países, incluindo democracias e regimes não democráticos, os participantes foram expostos a duas questões: uma envolvendo direitos da mulher (assédio sexual) e uma segunda não relacionada aos direitos da mulher (cuidados com os animais).
As questões foram testadas em três cenários: em uma casa legislativa composta apenas por homens; uma casa legislativa composta com equilíbrio entre homens e mulheres, mas sem menção à aplicação de cotas; e um terceiro caso, no qual a participação equilibrada entre homens e mulheres foi promovida por meio de cotas de gênero.
No experimento, os participantes responderam questionários sobre como percebiam a legitimidade das decisões dessas casas legislativas. A legitimidade foi desagregada em duas dimensões: legitimidade substantiva, que se relaciona à percepção sobre o resultado da decisão – ou seja, se a decisão em si era vista como correta ou justa; e a legitimidade processual, que se relaciona à percepção sobre o processo pelo qual a decisão foi tomada – se o processo era visto como justo e apropriado.
Os resultados do experimento indicam que casas legislativas que deliberaram sobre um assunto claramente ligado a gênero apresentaram resultados importantes a favor do maior equilíbrio entre homens e mulheres nas casas legislativas.
Comparado a um legislativo composto apenas por homens, um parlamento com equilíbrio de gênero (sem menção a cotas) foi percebido como significativamente mais legítimo, tanto na dimensão substantiva, quanto na processual.
Efeito “penalização”
No entanto, legislativos equilibrados em razão da eleição por cotas foram percebidos ligeiramente menos legítimos (substantivamente) do que os conselhos equilibrados em que as mulheres não foram eleitas por cotas. Apesar do efeito menor, em que as cotas parecem “penalizar” a legitimidade das decisões, as casas legislativas eleitas por cotas foram vistas como mais legítimas do que as casas apenas masculinas.
Quando o assunto em discussão não era relacionado com os direitos das mulheres, não foi identificado esse tipo de “penalidade”. Em outras palavras, os legislativos eleitos por cotas foram percebidos como igualmente legítimos aos legislativos com o mesmo número de homens e mulheres não eleitos por cotas. Além disso, ambos foram vistos como mais legítimos do que os legislativos formados apenas por homens.
Desafios do ceticismo sobre as cotas
Os resultados do experimento produzido por Clayton, O’Brien e Piscopo realçam a dualidade percebida das cotas de gênero. Por um lado, esse mecanismo promove um avanço na representação que é recompensado pelos cidadãos com uma percepção de maior legitimidade. Por outro lado, a própria menção da cota pode gerar uma pequena desconfiança ou ceticismo, particularmente em temas sensíveis em que a representação de gênero é mais saliente.
Nesse sentido, as cotas parecem desencadear uma ligeira redução na percepção de legitimidade apenas quando as mulheres eleitas por cota participam da tomada de decisão sobre temas que afetam diretamente as mulheres. Quando lidam com outros assuntos, a forma como alcançaram a sua representação não afeta a percepção de legitimidade.
Na avaliação das autoras, este achado sugere que a implementação de cotas, embora benéfica para a representação e legitimidade geral, deve ser acompanhada de estratégias que abordem e mitiguem a “penalidade” percebida.
O estudo de Calyton, O´Brien e Piscopo traz implicações importantes para o debate sobre cotas de gênero e representação política. A principal delas sobre a ideia equivocada de que a cotas prejudicariam a legitimidade democrática.
Pelo contrário, as evidências sugerem que esse mecanismo é eficaz no fortalecimento e da confiança dos cidadãos sobre as instituições democráticas. Por outro lado, o estudo aponta também a necessidade de promover ações para mitigar possíveis efeitos de “penalidade” sobre a legitimidade das instituições.
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Fábio Vasconcellos
Doutor em Ciência Política pelo IESP (2013) e mestre em Comunicação Social pela UERJ (2008). Professor associado da Faculdade de Comunicação UERJ. Temas de interesse: Comportamento Eleitoral; Comunicação Política; Eleições; Opinião Pública; Analise de Dados.