De tão repetida e já desgastada, a famosa frase “é a economia, estúpido!”, dita em 1992 por James Carville, então estrategista de campanha do ex-presidente Bill Clinton, pode ter perdido capacidade explicativa.

Se a economia era um determinante na decisão do voto dos americanos, como apontava Carville e muitas pesquisas sobre o chamado voto econômico, novos estudos têm apresentado evidências de que a relação entre economia e voto não é tão direta.
Esse ponto é particularmente importante no caso do Brasil, onde os indicadores econômicos vão relativamente bem (emprego, PIB, entre outros), mas a avaliação da economia feita pelos brasileiros tem sido negativa. E tudo isso, em um ano véspera de eleição presidencial.
Tradicionalmente, os estudos na Ciência Política indicam dois mecanismos principais que moldariam as percepções econômicas dos eleitores: a experiência pessoal direta das pessoas com a economia — manifestada em oportunidades de emprego, desemprego ou mudanças nos preços — e as informações adquiridas pelos meios de comunicação.
Embora estudos em democracias avançadas e industrializadas tenham mostrado consistentemente que as avaliações econômicas atuais e prospectivas são influenciadas por essas duas fontes, a ideologia com a qual o indivíduo mais se identifica não era um dado muito abordada. A ideologia, contudo, influencia consistentemente as percepções das pessoas sobre a economia. É o que revela o estudo “The moderating effect of ideological identification on how economic news and economic growth impact individual economic perceptions: evidence from Chile”, produzido por José Miguel Cabezas, Patricio Navia e Sebastián Rivera.
Os pesquisadores analisaram o caso do Chile, entre 2014 e 2018, utilizando dados de pesquisa de opinião, indicadores de desempenho econômico e cobertura da imprensa. Entre 2014 e 2018, o Chile era governado pela presidente Michelle Bachelet, considerada de centro-esquerda.
Para analisar as percepções econômicas, o estudo utilizou duas variáveis dependentes: percepções sociotrópicas atuais e prospectivas. Ou seja, como as pessoas percebiam e avaliavam a situação econômica do país como um todo no momento atual (quando o estudo foi realizado) e em um futuro próximo.
Já as variáveis independentes consideradas foram a variação do Produto Interno Bruto (PIB), notícias econômicas negativas, capturadas pelo Índice de Incerteza da Política Econômica (EPU), que quantificava o tom das notícias econômicas com base na frequência de termos relacionados à adversidade econômica em jornais, além da identificação ideológica das pessoas, medida por uma escala tradicional de 10 pontos esquerda-direita, categorizada em Esquerda, Centro, Direita e “Nenhum”. A afinidade ideológica com o governo foi associada àqueles que se identificam com a esquerda, dado o alinhamento político da administração de Bachelet.
O efeito moderador na “economia real”
Contrariando a expectativa direta de grande parte da literatura que sugere que as condições econômicas objetivas moldam diretamente as opiniões dos cidadãos, os resultados iniciais do estudo não mostraram uma correlação estatisticamente significativa entre o crescimento do PIB e as percepções econômicas atuais das pessoas. No entanto, quando a ideologia é considerada como moderadora, o cenário mudava drasticamente.
Para aqueles com afinidade ideológica com o governo (a esquerda, neste caso), o bom desempenho macroeconômico intensificou o impacto positivo nas percepções econômicas atuais e prospectivas. Especificamente, quando a economia estava em crescimento, os entrevistados de esquerda tinham cerca de 25 pontos percentuais mais probabilidade de ter visões positivas sobre a situação econômica atual do que quando a economia estava em declínio. Isso sugere que eles interpretavam as informações sobre o estado da economia de forma a produzir visões mais positivas à medida que se afastam ideologicamente da direita política.
Por outro lado, para aqueles sem afinidade ideológica com o governo (a direita), o estudo encontrou um padrão oposto ou um impacto marginalmente negativo de bons indicadores macroeconômicos nas percepções econômicas atuais. Se a economia estivesse indo bem, a probabilidade de os indivíduos de direita terem visões positivas diminuía. Em relação às percepções econômicas futuras, o efeito moderador da ideologia sobre o crescimento do PIB não foi tão pronunciado, com todos os grupos ideológicos tendendo a ter melhores avaliações futuras quando o PIB aumentou.
Notícias negativas e percepções positivas
Um dos achados mais interessantes e contra-intuitivos do estudo é o impacto das notícias econômicas negativas. Contrariando a expectativa de que o aumento de notícias desfavoráveis levaria a percepções econômicas menos positivas, o estudo revelou o oposto para indivíduos com afinidade ideológica com o governo.
Para a esquerda chilena, uma maior presença de notícias econômicas negativas na mídia impactou positivamente suas avaliações econômicas atuais. A probabilidade de terem visões econômicas positivas aumentou em cerca de 25 pontos percentuais sob essas condições. Esse fenômeno é explicado pelos autores como um “backlash effect“ (efeito de reação negativa, em uma tradução livre) e um claro exemplo de “raciocínio motivado”. Isso significa que as pessoas tendem a interpretar informações de forma a reforçar suas crenças e valores preexistentes, desafiando ou descartando informações inconsistentes com suas convicções, independentemente de sua precisão ou fonte.
Para a direita, um aumento nas notícias econômicas negativas, como esperado, diminuiu a probabilidade de ter visões econômicas atuais positivas em cerca de 12 pontos percentuais. Em relação às percepções futuras, a ideologia também modificou o efeito das notícias negativas, com a esquerda exibindo visões mais favoráveis em resposta a notícias negativas.
Os achados deste estudo têm implicações significativas para a compreensão do comportamento político e da formação da opinião pública. O estudo oferece uma imagem mais nuançada do papel dos indicadores macroeconômicos e das notícias econômicas na formação das visões econômicas, demonstrando que não é apenas o estado da “economia real” ou o conteúdo das notícias, mas a interação profunda com a ideologia individual que determina a percepção. Essa relação, portanto, pode impactar o processo de decisão do chamado voto econômico.
Siga @redem.inct no Instagram e @redem_inct no X para saber mais sobre os estudos realizados por nossos pesquisadores!

Fábio Vasconcellos
Doutor em Ciência Política pelo IESP (2013) e mestre em Comunicação Social pela UERJ (2008). Professor associado da Faculdade de Comunicação UERJ. Temas de interesse: Comportamento Eleitoral; Comunicação Política; Eleições; Opinião Pública; Analise de Dados.