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O tarifaço de Trump e a reformulação da “ignorância deliberada” na base bolsonarista

Apesar do claro efeito negativo sobre empresas, postos de trabalho e a economia do país, o tarifaço determinado pelo presidente americano Donald Trump contra o Brasil foi incapaz de sensibilizar um grupo específico de brasileiros. 

Quase uma semana após o anúncio do aumento das tarifas, o Instituto Quaest perguntou a 2 mil entrevistados se eles consideravam certa ou errada a decisão de Trump.

Cerca de 72% afirmaram que o governo americano estava errado. Mas, curiosamente, 19% consideraram acertada a decisão de Trump.

Embora não tenha sido ouvido na pesquisa, o deputado federal licenciado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) também pensa assim. Representante do Parlamento brasileiro, mas atuando a favor dos interesses americanos, Eduardo comemorou nas redes e em entrevista a medida que, segundo espera, poderá livrar o pai do processo por tentativa de golpe.

Mesmo que isso não aconteça, o deputado já disse que, “se houver um cenário de terra arrasada”, pelo menos terá se vingado dos “ditadores de toga”. A fala do deputado expressa, de algum modo, um pensamento disseminado entre os bolsonaristas.

Quando observamos os dados da Quaest por posição política, vemos que os eleitores de esquerda ou sem posicionamento definido, e que consideram que a decisão de Trump foi errada, variou de 87% a 77%.

No campo da direita, esses percentuais caem consistentemente, variando entre 58% e 42%. Entre os bolsonaristas, a proporção de quem avaliou como acertada a decisão foi de 42%, contra 48% dos que consideraram um erro.

A hipótese da “ignorância deliberada”

Pesquisadores no campo da psicologia têm desenvolvido há anos a hipótese da “ignorância deliberada” como um fenômeno bastante presente entre as pessoas e que pode nos ajudar a entender o comportamento dos bolsonaristas.

A “ignorância deliberada” consiste em evitar informações sobre as consequências negativas das suas ações sobre os outros com o objetivo de maximizar ganhos pessoais. Em outros termos, é como alguém que reluta buscar informações sobre as alterações climáticas para evitar ter que mudar seu estilo de vida.

O ganho político dos apoiadores de Bolsonaro, nesse caso, é óbvio: a pressão, assim acreditam, poderia ajudar a livrar o ex-presidente da condenação e prisão. Mas, aparentemente, a base bolsonarista estaria inaugurando uma espécie de teoria da “ignorância deliberada 2.0”.

Não há desconhecimento sobre o tarifaço. O campo da direita apresenta um percentual médio maior (75%) do que o campo da esquerda (66%) sobre ter conhecimento das medidas do presidente americano. Ou seja, a avaliação maior de que Trump está certo no campo da direita não decorre de uma “ignorância deliberada”, mas de um amplo conhecimento dessas medidas e, possivelmente, das suas consequências.

Fatores que estimulam a “ignorância deliberada”

As pesquisas sobre a “ignorância deliberada” apontam alguns fatores decisivos para a ocorrência desse tipo de comportamento. A preocupação com autoimagem leva as pessoas a ignorarem deliberadamente as consequências negativas das suas escolhas.

Outro fator é a preocupação com a imagem social. Isto é, quando o comportamento é observável, o desejo de aceitação social e/ou evitar o julgamento ou punição influenciam a “ignorância deliberada”.

Finalmente, o terceiro fator são as normas sociais, ou seja, as regras ou expectativas partilhadas sobre o comportamento apropriado que funcionam como mecanismo central de influência sobre as escolhas das pessoas.

Ideologia e comunicação digital

Diria que, no caso da base bolsonarista, há dois elementos que potencializam esse comportamento: uma forte identificação ideológica desse grupo e uma dieta informativa muito centrada no ambiente digital.

Nas plataformas digitais, onde a visibilidade é constante e o julgamento social é imediato, a capacidade de “não saber” se torna uma ferramenta poderosa de autojustificação, moldada pela forma como as interações sociais se desenrolam.

Nesse sentido, o ambiente digital e a predisposição em buscar informações que validam e reforçam visões existentes ilustram um viés de autoconveniência que se torna ainda mais forte.

Esse comportamento ocorre em razão do processo da homofilia, a tendência que temos em nos associarmos a pares que compartilham a mesma identidade de grupo. Em plataformas sociais, como sabemos, essa dinâmica pode levar à polarização de opiniões, onde os cidadãos, em vez de buscarem informações abrangentes, se confinam a bolhas informacionais que cimentam crenças e justificam suas ações.

A base digital do campo da direita, em especial a base bolsonarista, está mais próxima não de uma ideia de “ignorância deliberada” — no sentido de não saber — mas de saber e, por razões ideológicas e de identidade de grupo, ignorar as consequências negativas que também afetarão o próprio grupo.

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Fábio Vasconcellos

Doutor em Ciência Política pelo IESP (2013) e mestre em Comunicação Social pela UERJ (2008). Professor associado da Faculdade de Comunicação UERJ. Temas de interesse: Comportamento Eleitoral; Comunicação Política; Eleições; Opinião Pública; Analise de Dados.

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