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Políticos outsiders no Brasil são majoritariamente do campo da direita, aponta estudo

Polarização política, populismo, ascensão de líderes que se apresentam fora do establishment tradicional. Nas últimas décadas, o cenário político latino-americano tem passado por mudanças que, em certa medida, refletem movimentos mais amplos também registrados em países da Europa e nos Estados Unidos. Embora as causas macro tenham alguma similaridade, aspectos locais influenciam o aparecimento e a permanência desses fenômenos.  

Um estudo inédito, produzido por pesquisadores brasileiros,  apresenta dados bastante interessantes para a questão dos outsiders na política latino-americana nos últimos anos.  Os resultados foram publicados recentemente no capítulo “The election of outsider deputies in Chile and Brazil”, do livro “Public Opinion and Turmoil in Latin American Democracies“, organizado pelos professores Helcimara Telles (UFMG) e Joscimar Silva (UNB).

No estudo, Adriano Codato (UFPR), Roberta Picussa (UFPR) e Ednaldo Ribeiro (UEM) elaboraram o índice de outsiderismo para compreender como os novatos na política se diferenciam segundo trajetórias de vida fora e dentro da política. Para isso, eles utilizaram a Teoria de Resposta ao Item (TRI), método que permitiu quantificar o grau em que os parlamentares eleitos no Brasil e no Chile se afastam do sistema político estabelecido.  

Em entrevista ao blog, Roberta Picussa detalha alguns achados da pesquisa como, por exemplo, o alto índice outsiderismo no campo da direita. A análise das eleições de 2018 para a Câmara dos Deputados no Brasil revelou uma prevalência significativa de parlamentares outsiders afiliados a partidos de direita (82,3%), refletindo uma associação com a eleição do ex-presidente Jair Bolsonaro. Além disso, 32% dos outsiders tinham vindo do PSL, partido do então candidato Bolsonaro. Mais do que isso. O índice de outsiderismo médio no Brasil superou (7,8) o registrado no Chile (5,4). Em outras palavras, por aqui, os novatos estavam mais distantes do sistema político do que no país vizinho.  

Estes resultados sugerem uma associação entre a eleição de presidentes “maverick” e o aumento da representação de parlamentares outsiders, especialmente em um contexto de queda da confiança nas instituições políticas. Para Roberta, compreender o perfil e as características desses novos atores no Congresso é crucial, pois suas trajetórias podem influenciar a dinâmica legislativa e a relação com as instituições políticas.  

 O que são “deputados outsider” e como eles são definidos no estudo? 

Deputados outsiders são atores que, antes de sua primeira eleição, não tinham uma trajetória social ou profissional na política. A definição do deputado outsider é um tanto complexa. Partindo da literatura especializada, outsiders são candidatos que não fazem parte do universo institucional da política, isto é, não têm experiência profissional prévia na política, ou surgem fora dos partidos estabelecidos de seu país.  

E como vocês identificaram os outsiders? 

Primeiramente identificamos e selecionamos para a análise os novatos, isto é, aqueles que nunca haviam se elegido para nenhum outro cargo antes de chegar à Câmara dos Deputados. Depois, elencamos experiências típicas de uma trajetória na política, como o ativismo político em torno de uma causa específica, a ocupação de cargos de lideranças em associações profissionais e sindicatos, o trabalho de assessoria em gabinetes parlamentares, a ocupação de cargos de chefia em setores do Poder Executivo, a passagem por cargos de Secretário e de Ministro de Estado, e o envolvimento com os partidos políticos, como o tempo de filiação antes da eleição e a passagem por cargos de comando. Coletamos essas informações biográficas de cada deputado novato. Como eram muitas experiências diferentes, desenvolvemos uma medida gradual que mostrava o quão outsider era o deputado dependendo dos atributos que possuía.  

Você poderia explicar como essa medida foi aplicado? 

Claro. Utilizamos o método estatístico da Teoria de Resposta ao Item (TRI). Com ela foi possível atribuir uma nota para cada um deles, de 0 a 10, sendo zero o mais insider e 10 o mais outsider. Deputados outsider são, portanto, aqueles que pontuaram alto nesse índice e obtiveram nota acima da média do grupo. 

Quais tipos de carreiras anteriores são comuns entre os deputados “outsider” com pontuação máxima no índice?

O nosso estudo tratou de dois países, Brasil e Chile, e descobrimos que diferentes experiências políticas definem os outsiders aqui e lá. Os deputados outsiders eleitos em 2018 no Brasil não preencheram nenhum dos atributos políticos elencados. A maioria não tinha nenhum histórico de ativismo político, nem profissão relacionada a política nem vínculos partidários, já que haviam se filiado ao partido pelo qual concorreram no mesmo ano de sua eleição. Alguns desses outsiders, que eram de carreiras militares, já haviam ocupado cargos em associações profissionais, mas como esse atributo não se mostrou relevante no cálculo da TRI, essa experiência não ajudava a discriminar os mais outsiders. Alguns outros tinham algum envolvimento com ativismo político, mas não era um traço marcante. A média do índice nesse grupo foi alta, a maioria pontuou grau maior do que 8.  

 

E no caso do Chile?

No Chile, os deputados mais outsiders eleitos em 2021 eram aqueles que não tinham vínculos com os partidos, já que, a legislação eleitoral permite que os candidatos concorram sem filiação partidária. Os mais outsiders eram, portanto, os chamados “independentes”. Entretanto a média do índice de outsiderismo no Chile era baixa, foram poucos casos que pontuaram 10, 9 ou 8 no índice. Muitos desses outsiders tinham histórico de participação em associações estudantis, e alguns vinham de movimentos sociais e políticos.

Por que é importante diferenciar os tipos de “outsider” entre os parlamentares recém-eleitos? 

Os outsiders na política estão conectados a uma série de temas importantes para a democracia contemporânea. A ascensão deles é estudada junto a outros fenômenos políticos que produzem uma grande mudança social, política e econômica, como a ascensão da extrema-direita, dos discursos e sentimentos anti-establishment político e populistas, à descrença das instituições políticas, à instabilidade institucional democrática, e a mudanças na relação entre os Poderes Executivo e Judiciário. 

Por todas essas razões, é importante se ter rigor para identificar se há realmente uma ascensão de outsiders nos parlamentos. No Brasil, a taxa de renovação na Câmara dos Deputados é alta, gira em torno de 40% e, em 2018, ela foi ainda maior, mas isso não significa necessariamente que outsiders estão chegando à Câmara. Identificar os novatos, aqueles que se elegeram pela primeira vez, já é um grande passo para verificar esse fenômeno, mas como muitos atores chegam à Câmara depois de já terem exercido ocupações profissionais na política e terem vínculos fortes com os partidos políticos, esse critério não é suficiente, é preciso observar se o sujeito tinha ou não envolvimento com a política institucional antes de conquistar uma cadeira. 

 O estudo se concentra na análise do caso Brasil e do Chile nos anos de 2018 e 2021, respectivamente. Por que essa escolha Brasil x Chile? 

Esses foram os anos em que Bolsonaro e Boric foram eleitos, e eles possuíam uma característica em comum: ambos eram, naquelas eleições, um tipo de outsider político rebelde, segundo a literatura, pois embora já acumulassem experiência política prévia como parlamentares, chegaram ao poder por meio de partidos que não pertenciam ao status quo de seus países. O PSL de Bolsonaro era um partido nanico que nunca havia conquistado mais de uma cadeira na bancada da Câmara Federal. O Convergencia Social de Boric era um partido recém-fundado, sem relevância eleitoral. Apesar de representarem dois extremos ideológicos, Bolsonaro (a extrema-direita) e Boric (a nova esquerda), ambos se beneficiaram da insatisfação do eleitorado com os candidatos tradicionais do establishment partidário. 

 

Como a eleição de presidentes “outsider” impacta o perfil dos parlamentares eleitos no Brasil? 

No caso da eleição de 2018 no Brasil, a maioria dos outsiders pertenciam a partidos de direita, especialmente ao PSL, o partido do Bolsonaro. Os deputados eleitos por esses partidos também tinham uma média no índice de outsiderismo muito alta, ou seja, eram pessoas sem nenhum vínculo com a política, nem institucional, nem a política de “rua”, e se elegeram na esteira do discurso anti-establishment político e anti-corrupção de Bolsonaro. No entanto, nem todos os outsiders tinham o mesmo perfil, havia alguns poucos outsiders de esquerda com trajetória de ativismo político. 

 Quais são as principais diferenças na distribuição de deputados “outsider” por ideologia partidária no Brasil e no Chile? 

 No Brasil, a grande maioria dos deputados novatos está em partidos da direita, com 82,3%, seguido pela esquerda com 14,2% e o centro, com 3,5%. No Chile, a distribuição é mais equilibrada entre direita, com 28,6%, esquerda, com 28,6% e independentes, com 41,1%. Há uma presença muito menor no centro, com 1,8%. 

 Como o índice de “outsiderismo” reflete as diferenças na experiência política dos parlamentares no Brasil? 

As estimativas do parâmetro obtidas para cada um dos atributos, tomados como itens, indica que não ter participado da burocracia do poder Executivo é, de longe, o atributo que melhor distingue os casos nesse contexto nacional. Na sequência vem a condição de não ter um passado como Secretário de estado, município ou de Ministro. Logo após vem a condição de não ter exercido função burocrática na estrutura partidária e a de nunca ter atuado como assessor político. Na sequência aparece a condição de filiado recente a partido político, a menos de um ano das eleições, seguido da ausência de histórico de associativismo e ativismo. Dito em poucas palavras, os deputados mais outsiders eram aqueles que, além de terem sido eleitos pela primeira vez, não tinham exercido cargos não eletivos na política anteriormente. Já as demais experiências políticas, tiveram pouca capacidade de diferenciar outsiders. 

 De que maneira o aumento no número de outsiders no parlamento afeta as dinâmicas de funcionamento do Congresso?

Não há em nosso estudo evidências que permitam responder adequadamente essa pergunta. Em um artigo sobre a lealdade partidária em votações nominais comparando parlamentares novatos e estabelecidos não foram constatadas diferenças significativas no perfil e no comportamento de cada grupo. Publicamos este estudo em 2023 em parceria com o Adriano Codato e Renan Souza. Acredito que sejam necessários mais estudos para compreender os impactos dos outsiders na Câmara Federal. 

 Depois de 2018, houve mudanças determinantes na relação executivo-legislativo, em relação às emendas parlamentares, mas não podemos afirmar que foi em decorrência da entrada de outsiders no parlamento, é mais provável que possamos atribuir à falta de capacidade política do Presidente rebelde, Bolsonaro, e de seu gabinete ministerial, que também era formado por muitos outsiders. Segundo a imprensa, muitos políticos e observadores alegam que o decoro parlamentar foi muito afetado depois da chegada dos outsiders e de representantes da extrema-direita, e que há mais relatos de bate-boca e falas indecorosas, mas não tenho conhecimento de estudos sérios sobre o tema.  

Siga @redem.inct no Instagram e @redem_inct no X para saber mais sobre os estudos realizados por nossos pesquisadores!

Fábio Vasconcellos

Doutor em Ciência Política pelo IESP (2013) e mestre em Comunicação Social pela UERJ (2008). Professor associado da Faculdade de Comunicação UERJ. Temas de interesse: Comportamento Eleitoral; Comunicação Política; Eleições; Opinião Pública; Analise de Dados.

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