Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia | Representação e Legitimidade Democrática | ReDem

*Felipe Calabrez, pesquisador do ReDem

Desde que o Presidente Donald Trump assumiu a Presidência dos EUA pela segunda vez, há cerca de cem dias, o mundo tem assistido com perplexidade as ações de um chefe do Executivo que parece ser capaz de desmantelar diariamente o Estado americano e reconfigurar a ordem econômica internacional sentado diante de uma mesa com uma caneta na mão.

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Por meio do uso contínuo de decretos e promovendo o congelamento de fundos federais destinados a agências federais dotadas de autonomia operacional, o presidente tem buscado ampliar o poder de decisão e controle sobre órgãos da burocracia. A ampliação do poder do presidente e do controle presidencial sobre o aparato administrativo possuem, no entanto, um objetivo declarado maior: retirar o poder da burocracia de Washington e devolvê-lo às famílias americanas, comunidades religiosas e governos locais¹.

Os EUA de Donald Trump têm assim servido de laboratório para uma ampla agenda de pesquisa na ciência política que investiga fenômenos como o chamado retrocesso democrático (democratic backsliding), o populismo, as democracias iliberais, entre outros fenômenos relacionados à chamada crise das democracias contemporâneas. Particularmente interessante têm sido as pesquisas que buscam, pelo “lado da “demanda”, investigar certas disposições atitudinais no nível individual, oferecendo um panorama da visão que os eleitores possuem sobre democracia e sobre o exercício do poder.

Em pesquisa publicada em 2021, por exemplo, (“The Americas: When do voters support power grabs?), Albertus e Grossman testaram por meio de surveys o grau de apoio que os eleitores estão dispostos a conferir a medidas que desrespeitem a separação e controle dos poderes, como expurgo de funcionários públicos de agências independentes quando eles não se alinham ideologicamente ao governo, e loteamento dos órgãos judiciais.

Os testes foram aplicados ao Brasil, Argentina, México e EUA e revelaram que, embora não sejam maioria, uma “minoria não negligenciável” tende a apoiar esse tipo de medida autoritária, porcentagem de varia de 10% a 35% dependendo do país. O estudo revelou também que essa tendência de apoio é maior quando o eleitor votou no incumbente e quando o líder em questão é da extrema direita, como era o caso do Brasil de Bolsonaro e EUA de Trump no momento da realização da pesquisa.

 

Dentre os elementos que compõem o que os especialistas chamam de “visão iliberal” de democracia alguns autores têm destacado a chamada visão “majoritária”, segundo a qual as ações de governantes que ferem o controle dos poderes e os direitos de minorias são percebidas pelo eleitor como inerentemente democráticas porque tomadas pelo líder eleito pela maioria do voto popular, o que tem colocado o instigante problema da desdemocratização apoiada por eleitores e, consequentemente, da legitimidade dessas medidas. Ver “The Majoritarian Threat to Liberal Democracy”.

Mas como os americanos têm encarado as ações autoritárias e concentradoras de poder encampadas por Trump nesse segundo mandato? Segundo a pesquisa IPSOS, 55% dos americanos desaprovam a maneira de Trump governar. Em fevereiro eram 53%. A variação mais significativa foi no percentual de aprovação, que caiu de 45% para 39% no mesmo período.

O dado anterior se relaciona com outra pergunta. Mais de 57% dos americanos desaprovam a gestão do governo federal sob o comando de Trump.

 

 

Os americanos apresentam uma avaliação negativa sobre a decisões do presidente Trump. Cerca de 64% consideram que Trump está indo longe demais na sua tentativa de ampliar o poder da Presidência. Apenas 29% consideram que suas decisões estão adequadas. Entre as opções listadas pela IPSOS, a resposta segunda opção, com 57% dos respondentes achando estar indo “longe demais” refere-se a “fechar agências federais”.

Mas há outros dados interessantes identificados pela pesquisa IPSOS. Cerca de 62% dos americanos consideram que Trump não respeita o Estado de Direito. Em outra questão, 60% apontam que Trump age para além da autoridade do presidente.

A IPSOS perguntou ainda aos americanos: “Se um juiz federal considera que uma política da administração Trump causará danos às pessoas e provavelmente é ilegal, o juiz deveria ter o poder de suspender essa política até que haja um julgamento, ou não?” Nada menos que 67% afirmam que o juiz deveria suspender a política.

Os dados da IPSOS, portanto, sugerem que, nesse momento, a ideia de “todo poder ao presidente” não é majoritária entre os americanos. Apesar de a aprovação sobre a forma como o presidente tem gerido o Governo Federal ser alta em relação a outros temas, sobretudo economia e tarifas de importação, a desaprovação é majoritária (67%) e crescente, assim como a visão de que o presidente está indo “longe demais”. Destaca-se também que 2/3 dos americanos consideram que o presidente não respeita o Estado de direito.

Agora, tendo em conta a retórica populista de Trump segundo a qual todo poder a si mesmo equivale a devolver o poder ao povo, vale notar um indicador importante. Quando perguntados sobre se o presidente Trump está alinhado às preocupações da maioria das pessoas, 60% responderam negativamente. Essa avaliação negativa, no entanto, é superada pelos partidos políticos. O partido Democrata é o mais mal avaliado nesse quesito (69%), seguido pelo partido republicano (64%).

Esses dados demonstram que a maioria do eleitorado americano não aprova a ampliação dos poderes do presidente e a usurpação de outros poderes. Embora profundamente dividido, o eleitor americano parece preservar nesse momento certa visão consociativa do sistema político.

Sintomático, no entanto, é o predomínio da visão negativa dos partidos políticos, tidos como instituições alheias aos problemas da maioria da população. Como é sabido, essa dissociação entre o eleitorado e os partidos políticos tradicionais é terreno fértil para a emergência de líderes populistas autoritários, que se apresentam como expressão da democracia porque portadores do interesse de uma “maioria” – ainda que fictícia. Assim, se Trump é uma ameaça à democracia liberal, ele também é um sintoma de suas deficiências.

[1] Este objetivo não aparece apenas na retórica de Trump como também consta em extenso documento elaborado para alimentar a linha programática do governo. Cf. https://www.project2025.org/about/about-project-2025/

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Fábio Vasconcellos

Doutor em Ciência Política pelo IESP (2013) e mestre em Comunicação Social pela UERJ (2008). Professor associado da Faculdade de Comunicação UERJ. Temas de interesse: Comportamento Eleitoral; Comunicação Política; Eleições; Opinião Pública; Analise de Dados.

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