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Debate público mediado por lideranças digitais. Riscos e consequências

O ecossistema informacional no Brasil vive uma reconfiguração profunda e segue uma tendência global. O jornalismo tradicional, historicamente incumbido de mediar o debate público e garantir um mínimo de integridade das informações, tem cedido espaço para um modelo dominado por personalidades e influenciadores digitais. Essa reconfiguração traz consequências não desprezíveis para o debate público e para a democracia no país.

A nova edição do Digital News Report 2025, publicado pelo Reuters Institute, demonstra que o Brasil já integra o grupo de nações em que o consumo de notícias se desloca fortemente para redes sociais e plataformas de vídeo. Mais do que isso, o que se observa é a consolidação de criadores de conteúdo — nem sempre comprometidos com os princípios básicos da verificação ou do interesse público — como os principais protagonistas da informação política cotidiana.

Embora a pesquisa da Reuters seja aplicada exclusivamente entre usuários dos meios digitais, o que exclui brasileiros que não utilizam essa tecnologia, o estudo utiliza uma amostra com mais de 2 mil respondentes, considerando a representação por cotas de raça, idade, gênero, região e nível educacional. Como cerca de 84% da população no Brasil utiliza meios digitais, os dados da Reuters ajudam de algum modo a refletirmos sobre os efeitos dessa transformação e seus impactos no ambiente político.

Cresce a busca por notícias nas redes sociais

Além do uso crescente de redes sociais para obter notícias, hoje são 35%, o relatório da Reuters mostra que 37% dos brasileiros recorrem ao YouTube para se manter informado, um dos percentuais mais altos do mundo, enquanto 33% preferem o TikTok, plataforma que tem se mostrado particularmente eficaz para disseminar mensagens políticas curtas e altamente viralizáveis.

Em ambas as plataformas, a atenção do público não está majoritariamente voltada a veículos jornalísticos ou jornalistas profissionais, mas sim a influenciadores, comentaristas e figuras públicas que atuam à margem dos padrões editoriais clássicos.

Esse dado é revelador, pois sugere que há não apenas uma mudança nos canais de acesso à informação, mas também uma mutação nos critérios que orientam a credibilidade e a relevância dos conteúdos acessados pelos brasileiros.

O fenômeno ganha contornos especialmente sensíveis. Personalidades como Gustavo Gayer — que iniciou sua trajetória como influenciador no YouTube e hoje é deputado federal — exemplificam a interseção entre ativismo digital, produção de conteúdo político e atuação institucional. A linha entre o criador e o candidato se apaga, e com ela se dilui também a separação entre informação, opinião e propaganda.

O relatório da Reuters identifica Gayer como um dos nomes mais citados espontaneamente pelos brasileiros quando perguntados sobre a quem prestam atenção ao buscar notícias no YouTube. 

Esse tipo de mediação personalizada traz implicações profundas para a saúde do ambiente democrático. Primeiro porque rompe com o modelo de intermediação jornalística que impunha certos filtros normativos — como checagem de fatos, contextualização e pluralismo. No lugar disso, ganha centralidade um discurso voltado à reafirmação de identidades, muitas vezes orientadas por teorias conspiratórias, narrativas anti-institucionais e apelos emocionais. O resultado é uma esfera pública mais polarizada, onde o dissenso tende a ser substituído pelo antagonismo puro.

Em segundo lugar, o protagonismo de influenciadores reduz o espaço da deliberação mais moderada ao favorecer formatos e dinâmicas que priorizam o espetáculo e a simplicidade.  

Políticos e influenciadores são os que mais disseminam desinformação

Esse “novo” ecossistema, ao mesmo tempo que democratiza o acesso à produção de conteúdo, também facilita a difusão de desinformação.  De acordo com o Digital News Report, influenciadores e políticos são vistos como os maiores disseminadores de informações falsas ou enganosas no mundo — 47% dos entrevistados identificaram esses dois grupos como as principais ameaças à integridade informacional.

No contexto brasileiro, onde há um histórico recente de mobilizações políticas ancoradas em desinformação e ataques a instituições democráticas, esse dado assume peso especial. Ele indica que a crise da verdade, longe de arrefecer, tem sido alimentada pelas próprias dinâmicas de consumo contemporâneo da informação.

Outro aspecto relevante do relatório é o impacto geracional dessa transformação. Entre os jovens de 18 a 24 anos, as redes sociais e plataformas de vídeo já são, de longe, a principal fonte de notícias. Esse público não apenas consome, mas também compartilha, comenta e produz conteúdo político nessas redes, moldando uma nova cultura de engajamento — mais horizontal, mas também mais vulnerável a desinformação e enquadramentos simplificados sobre questões naturalmente complexas.

A reconfiguração do espaço público desafia diretamente pressupostos da representação política. Se o debate político é cada vez mais mediado por figuras carismáticas, com base em relações de afinidade pessoal e sem compromisso com normas editoriais, o espaço para o contraditório, para informação qualificada e para o escrutínio baseado em evidências se reduz. O campo político passa a operar sob a lógica das redes: visibilidade acima de substância, viralidade acima de verdade, performance acima de coerência. Em outras palavras, os modos de representação política passam também por uma profunda transformação e com consequências sobre a qualidade da democracia.

 

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Fábio Vasconcellos

Doutor em Ciência Política pelo IESP (2013) e mestre em Comunicação Social pela UERJ (2008). Professor associado da Faculdade de Comunicação UERJ. Temas de interesse: Comportamento Eleitoral; Comunicação Política; Eleições; Opinião Pública; Analise de Dados.

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